Um ano de trombas
Passado um ano, a pergunta que podemos fazer a Trump — como aos brexiteiros no Reino Unido — é a seguinte: porquê as trombas? Vocês ganharam. Porque não estão felizes?
Anteontem subiu para falar ao pódio do Parlamento Europeu o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar.
Varadkar é um dos dois chefes de governo na Europa com ascendência indiana (o outro é António Costa, de Portugal). É um de dois chefes de governo na Europa assumidamente homossexual (o outro é Xavier Bettel, do Luxemburgo). E discursou em inglês, francês, alemão e gaélico. Multiétnico, poliglota e homossexual, Leo Varadkar representa tudo aquilo que os nacional-populistas detestam. Pior ainda para eles é aquilo que um discurso como o de Leo Varadkar deixou claro: que o poder de um pequeno país como a Irlanda é extraordinariamente potenciado por pertencer a uma União Europeia de 500 milhões de cidadãos.
Vale a pena lembrá-lo hoje. Há um ano, quando Trump tomou posse, ouvimos um outro discurso, de um nacionalismo triunfante, agressivo, cheio de certezas. Para Trump, como para os nacional-populistas de todas as estirpes, os países não têm amigos; o mundo está compartimentado em jurisdições estanques cuja soberania nunca pode ser partilhada (porque partilhar é perder); a solidariedade internacional é, pois, por definição impossível. O futuro pertencia aos países fortes liderados por homens fortes: os Putin, Erdogan, etc. Organizações transnacionais como a União Europeia estariam inevitavelmente fadadas ao fracasso. O “Brexit” teria provado isso um ano antes, e em breve os países fariam fila para abandonar o projeto europeu. Duas vitórias eleitorais num ambiente de demagogia descontrolada teriam chegado para que os nacional-populistas e aqueles que por eles se deixaram impressionar nos falassem de cátedra.
Passado um ano, a pergunta que podemos fazer a Trump — como aos brexiteiros no Reino Unido — é a seguinte: porquê as trombas? Vocês ganharam. Porque não estão felizes?
No caso de Trump, não se trata só do facto de o grupo de ideólogos à sua volta ter acreditado que estava a surfar a onda do “sentido da História” e agora se ver sem história nem sentido. Ora, Trump não quer só ganhar; ele quer ser respeitado. O risco para o futuro é que, sentindo-se menosprezado, Trump decida expressar o seu ressentimento através de um ato de guerra: se fora do seu círculo ninguém o adora nem respeita, ao menos que tenham medo dele. O rancor é um móbil central na política trumpiana e não devemos nunca duvidar daquilo que o seu rancor é capaz de fazer.
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Photo by Shealah Craighead / Public domain
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