MEDIA | “Dilema do Ocidente é fazer pagar um preço elevado à Rússia pela invasão (…)”
Em entrevista, Bruno Cardoso Reis, subdiretor do CEI-Iscte, afirma que “dilema do Ocidente é fazer pagar um preço elevado à Rússia pela invasão, mas sem a encurralar num beco sem saída.”
O investigador foi entrevistado pelo jornalista do Diário de Notícias, Leonídio Paulo Ferreira, onde analisou as possibilidades de pôr fim à guerra na Ucrânia e também como evitar um choque aberto entre a NATO e a Rússia.
“Que mediador imagina com possibilidades de garantir o fim da guerra na Ucrânia?
Creio que um compromisso é ainda muito difícil, as partes têm posições de partida muito distantes, a guerra continua e não é claro que se tenha chegado a um impasse militar, sendo que o conflito inevitavelmente aumenta a tensão e desconfiança entre as partes. Um avanço negocial significativo seria sinal de que as coisas estão a correr ainda pior para a Rússia do que parece. Creio que a Turquia pode ser um facilitador, tem interesse em pôr fim ao conflito na sua vizinhança próxima, do outro lado do Mar Negro, e Ancara tem apostado em reforçar as suas relações com Moscovo e Kiev nos últimos anos. Porém, não tem grande influência sobre qualquer delas. Creio que teria outra força uma mediação combinada da China, da França e Alemanha, que poderemos ter visto esboçada na recente cimeira virtual entre o presidente Xi, o presidente Macron e o chanceler Scholz, eventualmente envolvendo ainda os EUA. A Rússia é muito sensível ao reconhecimento do seu estatuto de grande potência. A China é neste momento a única boia de salvação para a economia russa, o que coloca o Kremlin numa posição de grande dependência. O Ocidente tem a arma das sanções a Moscovo e do apoio militar e diplomático a Kiev. Confiar a mediação apenas a Pequim, que apostou numa nova parceria estratégica com Moscovo, não será avisado, pois poderia colocar a Ucrânia numa posição difícil. Em última análise, porém, e contrariando as leituras simplistas que fazem dos EUA o grande manipulador da política internacional, um acordo deste tipo depende, sempre, essencialmente da vontade das partes, neste caso a Rússia e a Ucrânia.
Haverá possibilidade de uma solução que salve a face de Putin e simultaneamente permita a Zelensky manter a soberania da Ucrânia?
Essa é a grande questão. O dilema do Ocidente é que tem de fazer pagar um preço muito elevado à Rússia pela invasão, mas sem a encurralar num perigoso beco sem saída. Não tenho dúvidas de que Putin fez uma jogada de alto risco para tentar tornar a Ucrânia num país vassalo, um satélite no modelo da Bielorrússia. Apesar de tudo Putin tem uma poderosa máquina de repressão e de desinformação, pelo que, se o Kremlin decidir por uma saída negociada pode usar essa máquina para declarar vitória e evitar contestação. O que Putin exige atualmente à Ucrânia é o reconhecimento da anexação da Crimeia, da perda do Donbass e, sobretudo, uma cláusula de neutralidade na Constituição que a exclua não apenas da NATO, mas também da UE. Sem falarmos da integridade territorial perdida, não há quaisquer contrapartidas russas, nomeadamente, não há a oferta de quaisquer sólidas garantias de segurança. Sobretudo, se a Rússia continuar a defender que esta neutralização implica também a impossibilidade da Ucrânia beneficiar de apoio militar do Ocidente, que como estamos a ver é vital para a sua capacidade de resistência à invasão. Uma solução razoável seria adiar sine die qualquer discussão sobre o statu quo na Crimeia, apontar para um grau de autonomia reforçada do Donbass, com a presença de capacetes azuis, e a Ucrânia comprometer-se em não aderir à NATO, mas em troca de sólidas garantias de segurança e de relações reforçadas com a UE. Infelizmente, depois de uma invasão nesta escala, é difícil imaginar que um acordo desse tipo fosse aceitável para as partes. O fundamental é que não se pode repetir Munique ou Ialta, qualquer acordo tem de ser aceitável para a Ucrânia.”
Excerto retirado do site do Diário de Noticias, leia o resto da entrevista aqui.
As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador. Crédito foto: 2022.02.26 Stand with Ukraine, The White” (CC BY-SA 2.0) by tedeytan
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