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Eleições francesas: o balanço da campanha

Duas semanas: é esse o tempo que separa a primeira da segunda volta das eleições em França. Ao longo desses quinze dias desenrolaram-se uma série de eventos que, última instância, podem mesmo ditar o desfecho destas eleições: das manifestações do 1.º de Maio ao debate televisivo desta quarta-feira – marcado, como há muito não se via, por comentários agressivos dos dois lados da bancada.

Recuemos ao dia 23 de abril. Sabidos os resultados da primeira volta, os principais oponentes de Macron até à data apressaram-se a declarar apoio ao candidato centrista – à exceção de Jean-Luc Meléchon que afirmou que não iria apoiar nenhum dos dois candidatos. Esta recusa pode mesmo ser o fator desencadeador de uma alta taxa de abstenção entre o eleitorado votou Meléchon na primeira volta. Apesar da falta de apoio, Marine Le Pen não se coibiu de aproveitar a situação: a apenas uma semana da segunda volta, a candidata da extrema-direita publicou um vídeo onde interpelava diretamente os eleitores de Meléchon. “Temos de meter as querelas e divergências de lado. Não podemos deixar o comando de França nas mãos de Emmanuel Macron”, declarou.

De uma forma geral, a candidata do partido Frente Nacional não foi capaz de conseguir o apoio dos seus antigos adversários, ao contrário de Macron, que conseguiu unir (quase) todas as opiniões. Ainda assim, Le Pen conseguiu o apoio de Nicolas Dupont-Aignan, líder do partido Debout La France, e o único que lhe declarou apoio. E Le Pen respondeu à altura, dizendo que, se for eleita, o nomeará como primeiro-ministro. Da parte de Le Pen esta pode ser uma maneira de se aproximar da restante direita e não-exclusivamente do eleitorado que lhe é mais favorável.

Espiral de tensão?

Já no dia 27 de abril se registaram alguns confrontos entre grupos de estudantes de liceu da capital francesa e a polícia, de acordo com o relato do HuffingtonPost. Na Praça da República, em Paris, foram atiradas garrafas e ouviram-se gritos de estudantes que pediam “Nem Marine, nem Macron, nem a pátria, nem o patrão”. Não se registaram feridos, mas várias agências bancárias foram vandalizadas.

Mais violentas foram as manifestações do 1.º de Maio. Várias organizações sindicais marcaram marchas para assinalar essa data, e em comum todas tinham o apelo ao não-voto na Frente Nacional.

A CGT, por exemplo, pedia que não se votasse na Frente Nacional mas sem nunca nomear o candidato centrista, uma vez que a central sindical não reconhece a aproximação à esquerda de Macron. Esta foi a organização sindical que mais gente conseguiu reunir, na Praça da República em Paris: os números oficiais da organização apontam para 80 mil manifestantes, os números da polícia para 30 mil, cita o Público.

Como resultado desta marcha, o Le Monde dá conta de seis polícias feridos, dois deles com gravidade, assim como alguns manifestantes e jornalistas. O diário francês atribuiu uma parte da culpa dos desacatos a um grupo conhecido como “bloco negro” — porque se vestem de negro dos pés à cabeça – que já tinha prometido que o 1.º de maio seria “incontrolável”. Os membros deste movimento descrevem-se como anti-fascistas, e, de acordo com a mesma fonte, terão comparecido aos milhares na marcha convocada pela CGT.

O agressivo debate

O debate desta quarta-feira tinha tudo para ser histórico. Afinal de contas, tratava-se da primeira vez que um candidato da Frente Nacional conseguia chegar ao debate televisivo, uma vez que, em 2002, Jacques Chirac se recusou debater contra Jean-Marie Le Pen, por considerar que não se devia “normalizar o ódio e a ignorância” da FN. Apesar de algumas coisas terem mudado desde então e de o discurso da FN se ter suavizado e tornado mainstream tal como Dumitrescu (2016) verifica, houve apenas uma mudança muito subtil entre o discurso de pai e filha. Uma das mudanças mais assinaláveis é que o discurso de Marine chega a mais pessoas. E ainda assim, Macron não se recusou a discutir.

A troca de opiniões foi intensa e, em muitos momentos, foi difícil que os moderadores fizessem valer a sua palavra. A retórica dos dois lados da barricada pautava-se por uma agressividade como nunca antes vista num debate do género em França.

Um dos temas mais quentes do debate foi o terrorismo e a imigração. Le Pen acusou Macron de ser “complacente com o terrorismo islâmico” por se recusar a fechar fronteiras. Macron ripostou que, apesar de querer fazer do combate à ameaça terrorista uma das suas prioridades nos próximos anos, considera que fechar as fronteiras não é a melhor maneira de o fazer.

No final de duas horas e meia de debate, onde se discutiram assuntos como o projeto europeu e a economia, Macron mostrou-se mais convincente do que a adversária, de acordo com uma uma sondagem da Elabe para a BFM: 63% dos franceses ficaram convencidos.

Ainda durante o debate, Le Pen acusou Macron de fraude fiscal. Macron advertiu Le Pen para o facto de poder estar a cometer um crime de “difamação”. E, no entanto, mesmo sem qualquer fundamento, a informação começou a circular na internet – em particular nos blogues e no site 4chan – como sendo verdadeira. Este fenómeno não é novo – já aconteceu durante as presidenciais norte-americanas com o caso Pizzagate – e começa a despertar um novo interesse dentro da academia. Gibson et al. (2016) falam de uma nova forma de afiliação partidária através da internet – como blogues e fóruns de discussão como principal meio de sustentação ideológica desses grupos: o que pode explicar o que está a acontecer com a FN.

Mas foquemo-nos nos números. As sondagens parecem animadoras para Macron e, de facto, atribuem-lhe a vitória na segunda volta: no dia 28 de abril, a apenas uma semana da segunda volta, uma sondagem do Instituto Odoxa atribuiu-lhe 59% da intenção de voto dos franceses, contra 41% da intenção de voto em Marine Le Pen. Agora resta-nos esperar.

Referências utilizadas
  • Dumitrescu, D. (2016). Up, close and personal: the new Front National visual strategy under Marine Le Pen. Basingstoke: Macmillan Publishers.
  • Gibson, R., Greffert, F., & Cantijoch. (2017). Friend or Foe? Digital Technologies and the changin nature of party membership. Political Communication, 34:1, 89-111.
Photo by Doubichlou14CC BY-NC-ND 2.0.

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Inês Chaíça

Student at the Master in International Studies (ISCTE-IUL). Undergraduate degree in Communication Sciences.