Obama: Esperanças e Realidades no Balanço da sua Política Externa

Obama começou o seu mandato, em 2009, rodeado de enormes expectativas. Ele foi eleito com o slogan da “esperança”, de que “sim era possível mudar” as coisas para melhor. E se a ideia de mudança era popular nos EUA, mergulhados na mais séria crise económica desde a Grande Depressão, também o era no resto do mundo. George W. Bush tinha já abandonado boa parte dos excessos de unilateralismo do seu primeiro mandato, mas a impressão ficara. A melhor expressão dessas enormes, desmesuradas esperanças criadas pela eleição presidencial norte-americana de 2008 é o controverso prémio Nobel da Paz que lhe foi atribuído em Outubro de 2009, menos de um ano depois da sua tomada de posse. Era impossível que Obama estivesse à altura de tão elevadas (e contraditórias) expectativas.

Uma volta ao mundo de sucessos e fracassos

Entre os sucessos externos mais evidentes de Obama estarão: os acordos com o Irão; e o esforço de normalização de relações com Cuba. Estes eram Estados que há muitas décadas criavam sérios problemas à política externa dos EUA em particular no Médio Oriente e na América Latina, mas mesmo globalmente. No entanto, quer no caso do Médio Oriente, quer no caso da América Latina, os EUA estão em perda de peso relativo face a outros actores como a Rússia ou a China.

Entre os falhanços mais evidentes de Obama esteve a sua incapacidade de impedir o constante degradar da crise na Síria, dos mais graves desastres humanitários desde a Segunda Guerra Mundial, e a concomitante ascensão do Daesh. Tanto mais quanto associado a isso veio uma dupla perda de credibilidade. Obama exigiu o afastamento de Assad e anunciou como linha inultrapassável o uso de armas químicas, e em ambos os casos mostrou não estar disposto a usar os meios para fazer respeitar essas exigências.

Também na relação com a Rússia, apesar dos esforços da sua parte, deparamo-nos com um falhanço, que muito deve a Putin, mas também à recusa da liderança norte-americana de levar a sério os sinais de que o Kremlin pensava ainda e sempre em termos de interesses vitais e esferas de influência. Um falhanço ilustrado pela incapacidade de prever ou prevenir a ocupação da Crimeia ou até de dissuadir ou impedir o ataque informático russo à campanha de Hillary Clinton.

Relativamente à Europa a excessiva colagem dos EUA à Alemanha, e a insistência em que tudo estava essencialmente bem para dar prioridade à Ásia, acabou por impedir que Washington tivesse um papel mais activo ou eficaz nas crises europeias que poderão estar a minar um dos pilares mais sólidos da preponderância norte-americana, a força dos seus aliados europeus e a solidez da aliança entre eles e com os EUA.

Em África, talvez mais do que em qualquer outro continente, a eleição do primeiro presidente afro-americano alimentou enormes expectativas. No entanto, é difícil apontar mudanças dramáticas na política norte-americana de relativa desvalorização do continente. E se a situação não é mais dramática, isso deve-se ao crescimento económico acelerado de vários países africanos também muito graças à China, e à intervenção de outros, nomeadamente da França, para impedir um degradar da situação em particular no Sahel.

Quanto à Ásia e à China, as coisas parecem ter corrido melhor. Mas mesmo a viragem anunciada de Washington para a Ásia parece no último ano estar a mostrar fragilidades. O TPP que seria um forma de dar densidade à rede de alianças para conter a China foi um triunfo de Obama. Mas tudo indica que foi uma vitória pírrica, pois parece impossível de ratificar no actual clima político nos EUA, já que não apenas Trump, mas também Clinton, afirmaram na campanha que o iriam recusar. E a China prossegue a sua estratégia ofensiva no Mar do Sul da China, ao mesmo tempo que procura captar aliados com vastos investimentos através do Asia Infrastructure Bank sem pedir grandes contas – certamente não ao nível dos direitos humanos. O que seduziu mesmo as Filipinas de Duterte, uma antiga colónia dos EUA. E a até a Austrália já deu sinais de que está disposta para acordos comerciais com Pequim se não avançarem com Washington.

No you could not? Prioridades anunciadas e objetivos atingidos

Em suma que balanço fazer? Muito depende da importância que se atribui a estes vários temas e regiões, o que tem sempre algo de subjectivo. Um critério relativamente objetivo é olhar para as prioridades que o próprio Obama fixou.

A nível da proliferação nuclear Obama obteve resultados quanto ao Irão, mas não quanto à Coreia do Norte. Também a prioridade que deu ao Afeganistão parece ter dado poucos resultados práticos. Já a sua aposta em dar prioridade à caça a Bin Laden resultou num raide arriscado mas bem sucedido. No entanto, quanto ao combate ao terrorismo jihadista que Obama também definiu como prioridade, os resultados são, no mínimo, ambíguos, mesmo com uma multiplicação por dez do programa de assassinatos por drones (que traz os seus próprios problemas). A al-Qaida está enfraquecida, mas deu-se paralelamente a ascensão do auto-proclamado Estado Islâmico. Obama subestimou a emergência de um proto-Estado jihadista com maior capacidade de recrutamento e mais violento do que se tinha visto antes, que lançou o coração do Médio Oriente a ferro a fogo e uma campanha global de terrorismo. No entanto, Obama conseguiu retirar do Iraque e reduzir muito as forças no Afeganistão, e genericamente limitou dramaticamente o empenho de tropas norte-americanas no exterior. Se o Iraque continuar a recuperar o território perdido e Cabul não cair, tal ainda poderá ser visto como um relativo sucesso.

Talvez o maior sucesso de Obama diga respeito à sua prioridade em lidar globalmente com as alterações climáticas, que resultou no seu empenho decisivo e bem sucedido no acordo de Paris de 2015.

O grau de alarme que a ascensão de Trump à presidência dos EUA tem causado mostra, em todo o caso, que apesar de tudo, alguma vantagem havia em ter um presidente norte-americano que, quando muito, podia ser acusado de excesso de prudência. Sobre o impacto de longo prazo das decisões de Obama, até por em parte estar dependente das ações e desenvolvimentos que se seguirão, só mesmo os historiadores o poderão dizer no futuro. Por exemplo, o acordo de Paris, poderá, se resistir a Trump, vir a ser visto como um passo indispensável no caminho para evitar uma catástrofe ambiental. Ou, como o salvamento por Obama da economia dos EUA, que impediu que a situação económica mundial tivesse caído numa nova Grande Depressão, acabe por ser esquecido. Se o acordo com o Irão sobreviver, e se Trump fizer erros sérios, a performance de Obama parecerá relativamente mais positiva.

Num aspecto central Obama e Trump parecem fazer parte de uma mesma tendência: uma maior reticência dos EUA em empenhar-se externamente, nomeadamente no campo militar. Se isso será bom ou mau, levará ao vazio e ao caos, a um mundo mais equilibrado e responsável mais uma vez é uma questão em aberto.

Barack Obama in 2008. Photo by dcblog / CC BY-ND 2.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Bruno Cardoso Reis

Researcher at CEI-IUL. PhD in International Security (King's College). Master in Historical Studies (Cambridge Univ.). Professor at ISCTE-IUL. Researcher at ICS-IUL and King's College.

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