Ecoaldeias: Da inovação social à integração socioeconómica
Até que ponto é que as dinâmicas socioeconómicas promovidas pelo movimento de ecoaldeias representam a emergência de um modelo pós-capitalista? Até agora, esta questão só foi abordada de forma oblíqua pelas ciências sociais. O artigo “Commoning” at the borderland: ecovillage development, socio-economic segregation and institutional mediation in southwestern Alentejo, Portugal”, da autoria de Ana Margarida Esteves, investigadora do CEI-IUL, indica que, não obstante a promoção, no interior das ecoaldeias, de modelos económicos baseados na gestão partilhada e cooperativa dos bens comuns, a tendência que estas iniciativas têm para a homogeneidade sociocultural tende a promover interações com o seu entorno que promovem dinâmicas exclusionárias. Este artigo, baseado em pesquisa etnográfica realizada pela autora e fundamentado por uma extensa revisão de literatura sobre os bens comuns, a “economia da partilha” e o movimento de ecoaldeias, aborda as dinâmicas de exclusão que podem emergir quando a construção de ecologias políticas alternativas não tem em conta considerações da economia política. Baseia-se no estudo de caso da relação entre Tamera – Healing Biotope I, uma ecoaldeia localizada no concelho de Odemira (Portugal) e o ecossistema, população e instituições da região.
A trajetória do movimento de ecoaldeias indica que, tal como as plataformas de “economia partilhada”, estas iniciativas tendem a reproduzir em seu meio as dinâmicas de exclusão promovidas pelo capitalismo. Isso ocorre apesar do objetivo expresso de desenvolver modelos económicos com base na cooperação, na reciprocidade e numa relação não-extractivista e acumulativa com o entorno social e o ecossistema. A multiplicação das ecovilas nas últimas décadas pode ser interpretada como resultado do surgimento, entre setores das classes média e alta do “Norte Global e do Sul”, de um conjunto de valores pós-materialistas, sintoma de uma mudança cultural que frequente definida nas ciências sociais como um processo de pós-modernização. O autor afirma que, o processo de modernização das sociedades industrializadas, ao garantir segurança económica a uma parte significativa da, levou a uma reorientação dos valores e prioridades, de um assegurar da sobrevivência e segurança material para a realização pessoal e qualidade de vida. Tal reorientação prevalece entre os sectores sociais que beneficiaram da segurança económica e oportunidades de acesso à educação e cultura que caracterizaram a Europa Ocidental e América do Norte no final do século XX. O contraste entre o usufruto de tais oportunidades e o confronto com evidências crescente dos seus efeitos colaterais negativos a nível social, ambiental e espiritual contribuiu significativamente para tal mudança de mentalidades. Este processo também promoveu desconfiança, da parte desses sectores sociais, em relação a fontes tradicionais de autoridade espiritual, política e cultural, bem como um alinhamento das escolhas dos consumidores e do estilo de vida com valores progressistas, ecológicos e anticonsumistas.
O desenvolvimento de Tamera baseia-se num processo prefigurativo de “commoning” que foi transplantado da contracultura da Europa Central para o sudoeste Alentejano. Tal processo criou uma “zona de fronteira” que segrega e ao mesmo tempo, cria um ponto de contato entre duas realidades culturais, ecológicas e socioeconómicas contrastantes. No entanto, essa “zona de fronteira” concedeu à comunidade o acesso aos recursos necessários para desenvolver sua visão, contrariando os regulamentos existentes e envolvendo o estado no desenvolvimento de um novo quadro regulatório. Desde meados da década de 2000, Tamera tem vindo a promover um diálogo cultural com a população local, contando para isso com o apoio do município. Esta análise levanta a questão de como desenvolver instrumentos regulatórios e financeiros que apoiem as ecoaldeias na promoção de estratégias inclusivas de sustentabilidade económica e as integrem em dinâmicas de desenvolvimento regional. Tais instrumentos devem ter em conta as especificidades dos processos biofísicos e sociais destas iniciativas, assim como a sua vocação como “laboratórios” para a sustentabilidade.
Leia o artigo completo de Ana Margarida Esteves aqui.
Ecovillage in Norway. Photo by SuSanA Secretariat / CC BY 2.0
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