A Áustria ganhou um wunderwuzzi, mas a Europa perde fôlego contra os populismos
Ao fecho deste artigo, os resultados das eleições legislativas antecipadas deste domingo na Áustria ainda não eram oficiais, mas tudo indica que o Partido Popular (ÖVP) de Sebastian Kurz ganhou com cerca de 31%, seguido pelo Partido da Liberdade (FPÖ) de Norbert Hofer com 26,9% e, em terceiro, mas praticamente empatado com cerca de 26%, os sociais-democratas (SPÖ) liderados pelo ainda chanceler Christian Kern.
Sebastian Kurz: O primeiro millennial eleito primeiro-ministro num país ocidental
A confirmar-se este cenário, haverá pelo menos três questões a salientar. A primeira, é a viragem à direita e a nomeação a Chanceler de Sebastian Kurz, de 31 anos, o primeiro millennial a assumir as funções de primeiro-ministro num país ocidental.
Kurz já tinha feito história ao tornar-se o ministro das Relações Exteriores mais jovem de sempre, aos 27 anos, em 2013. Mas, em Maio deste ano, Kurz decidiu rebatizar um partido de mais de 30 anos como o novo Partido do Povo, fez um rebranding com a mudança das cores de preto para azul turquesa e apostou forte nas redes sociais para galvanizar os jovens para este movimento de renovação. Kurz entra assim para a galeria dos jovens prodígio (Wunderwuzzi) políticos europeus, ao lado de outros nomes como Emmanuel Macron (39 anos), Christian Lindner dos liberais democratas alemães (38 anos) ou Luigi di Maio, também de 31 anos, o novo líder do Movimento 5 Estrelas em Itália. Estará a tendência jovem na Europa para ficar no panorama político europeu?
O regresso do FPO
A segunda questão, prende-se com o potencial regresso do Freedom Party (FPO), que esteve no governo entre 2000 e 2005. Sem maioria no Parlamento, o OVP necessitará de uma aliança estratégica e o Partido da Liberdade surge como aliado natural. Tendo obtido uma votação muito expressiva, pode assim esperar formar uma coligação com Kurz e fazer convergir a agenda anti-imigração e Islão, bem como de reforço das fronteiras e de medidas excecionais no domínio da segurança interna. E se em 2000, os Estados-membros da UE não hesitaram em aplicar sanções à Áustria e à liderança de Jorg Haider, desta feita existirão certamente outros aliados que não deixarão a Áustria diplomaticamente isolada dos seus congéneres europeus.
Assim, com as eleições alemãs a fazerem ressurgir o populismo no centro do debate e as eleições austríacas a reforçarem esta tendência, como irá evoluir o movimento da extrema direita na Europa e a sua indissociabilidade dos partidos tradicionalmente de centro direita, como o caso de França onde os republicanos têm primárias em Novembro e Laurent Wauquiez parece ser favorito na sua liderança?
O significado da possível coligação entre OVP e FPO para a União Europeia
Esta questão leva-nos a uma terceira dimensão, transpondo o cenário para a dimensão externa e para eventuais implicações deste resultado para a União Europeia. A confirmar-se a controversa coligação entre OVP e FPO, Angela Merkel e Emmanuel Macron podem esperar negociações difíceis na reforma da zona euro e na política comum de imigração e asilo. De facto, a crise dos refugiados foi um tema dominante ao longo da campanha e Kurz já tinha antecipado a sua linha programática nesta matéria ao defender o encerramento da rota dos Balcãs para a Europa, a redução de benefícios sociais apenas aos que tenham vivido na Áustria por pelo menos cinco anos, ou a proibição do uso da burka. Os receios nacionalistas adensam-se ainda mais se pensarmos que o Freedom Party foi fundado em 1955 por um ex-general das fileiras do exército nazi e que ainda hoje utiliza como símbolo o mesmo do nazismo na década de 30 (a flor de escovinha).
Recorde-se também que a Áustria tem sido utilizada como país de trânsito para a Alemanha por mais de 900.000 migrantes e só em 2015 recebeu 68.000 pedidos de asilo. Neste contexto, Sebastian Kurz chegou mesmo a elogiar a coragem política do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán por ter construído um muro ao longo das suas fronteiras para evitar a entrada de migrantes. Também o líder da FPO tem defendido que a Áustria devia juntar-se à Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia (o Grupo de Visegrado) na oposição às quotas de distribuição de migrantes impostas pela Comissão Europeia.
Mas há mais questões que aproximam as duas forças políticas. Se Kurz é um eurocético assumido, o FPO não é entusiasta de uma maior integração da zona euro ou uma centralização de poderes, recusando liminarmente as ambições de Macron de um Orçamento e um ministro das Finanças comum para a zona euro.
Juventude, conservadorismo e eurocetismo
Assim, as eleições antecipadas na Áustria reforçam uma tripla tendência complementar entre si: primeiro, a afirmação de figuras jovens (na idade e na política) que desafiam o establishment, mesmo tendo crescido politicamente nele e que, através da constituição de novos movimentos-partidos ou o rebranding de partidos tradicionais, chegam ao poder com maiorias expressivas; segundo, o reforço do conservadorismo e da narrativa anti-imigrantes e refugiados do Médio Oriente e do norte da África; e terceiro, a disseminação de uma narrativa eurocética e opositora de uma Europa mais federalista e integradora. Com alguns Estados-membros da UE ainda com eleições municipais, legislativas ou presidenciais até ao final do ano, será decerto de acompanhar se estas tendências sairão ainda mais reforçadas. Para já, é certo que as capas dos jornais europeus de hoje dão todo o protagonismo a um wunderwuzzi que, no país da Swarovski, quer brilhar dentro e fora de portas e mostrar que a sua agenda é sólida, tem características bem vincadas e veio para ficar.
Sebastian Kurz. Photo by Raul Mee / CC BY 2.0
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