Da libertação da Raqqa na Síria às novas estratégias de combate ao terrorismo

18 de Outubro de 2017: Depois de Mossul no Iraque, finalmente chegou a libertação de Raqqa

Muito, muito importante. Relevantíssimo porque se derrotou, territorialmente, o Daesh e, o que sobra no Iraque e na Síria, é importante mas já não tem uma dimensão de ação exterior. Praticamente fechou-se a torneira do dinheiro, as instalações de onde se produziam explosivos e se davam instruções de como os fazer para todo o mundo, onde se escreviam as doutrinas extremistas, os vídeos repugnantes, as mensagens de ódio e de terror. Não acabou. Mas foi profundamente afetada a capacidade de organizar ataques de forma global e de apoiar elementos espalhados pelo globo.

Raqqa, capital do Daesh

Significativo porque Raqqa era a capital da ignomínia do Daesh. Hoje todos podem ver a realidade por detrás das imagens manipuladas pelas fortes agências da sua perversa propaganda. Agora era importante que passassem, cem vezes mais do que os vídeos do Daesh, os testemunhos dos sobreviventes, as condições de vida naquele inferno, as bestialidades cometidas contra uma população submetida à lei da crueldade ilimitada, onde crucificações, amputações, decapitações e imolações eram a prática de cada dia. Vale a pena mostrar, em especial entre aqueles que se mostram sensíveis aos argumentos do Daesh, a crua realidade da prática cruel, ignóbil e incoerente que se faz e fazia no Iraque e na Síria. Esperemos que depois destas evidências, tal como o mundo ficou horrorizado com o descobrimento das bestialidades dos Nazis no Holocausto, que os adeptos do extremismo diminuam drasticamente. É verdade que os nazis continuam a ter apoiantes, ainda hoje, mas nada se compara ao que se passava antes da prática nazi ser conhecida e, por isso, esperemos que os factos agora conhecidos, em cada ato de libertação e em cada testemunho apresentado, consigam o mesmo efeito.

Esclarecedor porque mostrou que a narrativa, afinal, tinha muitos menos apoiantes que o anunciado e que muitos dos supostos adeptos eram simples sujeitos do terror e da intimidação, que muitos que por ali andavam apenas se alistavam pela crueza da violência, pelo sadismo da violação e pela possibilidade de sujeitar outros seres humanos a uma condição degradante. Esclarecedor porque nem os outros grupos, no mínimo tão radicais, os apoiam e, até a al-Qaeda, imagine-se, se outorgou o direito de os denunciar e acusar.

A nova estratégia contra-terrorista de Emmanuel Macron

Hoje, dia 18 de outubro, também foi o momento de Macron anunciar a sua nova estratégia de contra o terrorismo. Tal como Theresa May no Reino Unido, Rajoy em Espanha, Angela Merkel na Alemanha ou Malcolm Turnbull, o primeiro ministro da Austrália, fizeram nos últimos meses, a mensagem é hoje (não vou entrar em pormenores de natureza interna de cada Estado) assente em princípios muito claros: (1) A ação exterior, para lá das fronteiras, é fundamental para se garantir a segurança interna de cada país, e a derrota dos principais grupos terroristas, nas áreas onde se afirmam e crescem, como o Daesh, apoiando as autoridades locais sem a tendência de as querer substituir, é uma estratégia que está, visivelmente, a dar resultados; (2) A par da ação securitária dentro de cada Estado é fundamental o esforço de contra-radicalização e de prevenção sobre as mensagens de intolerância e fundamentalismo; (3) A aposta em integração social, num acesso a uma política de educação aberta e livre, é o caminho considerado por todos estes líderes, como o mais importante e (4) Se se deseja a paz e a estabilidade na Europa e noutras regiões desenvolvidas no mundo, tem de se apoiar e ajudar decisivamente o desenvolvimento das regiões onde mais se sofre e se registam as grandes instabilidades globais.

Hoje, dia 18 de outubro de 2017, é ainda mais importante, fulcral, essencial, não esquecer que muito mais há por fazer: (1) As tragédias humanitárias no Iraque e na Síria precisam de décadas de apoio para se renascer da destruição causada; (2) Apoiar instituições fundamentais dos Estados desagregados é uma tarefa para gerações ; (3) Que o fim de determinadas áreas de conflito destapam outras que esperavam o momento, como as questões curdas, as divisões étnicas, as complexas relações geopolíticas dos vários poderes globais, regionais e, a multitude de inúmeros movimentos e grupos que procuram o poder nas zonas em conflito; (4) Que o “quase” fim do Daesh no Iraque e na Síria não significa o fim do Daesh em inúmeras regiões do globo e, muito menos, do anunciado crescimento da Al-Qaeda e de outros grupos terroristas em extensas regiões do planeta e (5) Que políticas de contra-radicalização, de determinação contra extremismos, de garantir verdadeiras integrações e educação abrangente é uma tarefa que levará mais tempo que todas as vertentes anteriores enunciadas.

Excelente a notícia da libertação de Raqqa mas é fundamental não esmorecer, nem adormecer, sobre este, embora significativo, apenas um simples marco, no imenso, no gigantesco caminho, que todos teremos de trilhar.

Photo by Beshr Abdulhadi / CC BY 2.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Nuno Lemos Pires

Researcher at CEI-IUL. Professor at the Portuguese Military Academy (PMA). Ph.D. in History, Defence, and IR (ISCTE-IUL and PMA); M.A. in Military Sciences (PMA). Guest lecturer at ISCTE-IUL, U. Nova, IESM, IDN. Professor of Military History and IR at IAEM and AM; Intelligence Officer at NATO / Rapid Deployable Corps (Spain).

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