A Nouvelle Droite em Portugal nos anos 1970 e 1980

Riccardo Marchi (2016), “The Nouvelle Droite in Portugal: a new strategy for the radical right in the transition from authoritarianism to democracy”, Patterns of Prejudice, 50(3): 232-252

Perante o surgimento cíclico de novos partidos, movimentos e propostas intelectuais no espectro político genericamente definido como extrema-direita, a comunidade científica interroga-se, há vários anos, sobre o efeito da circulação transnacional de ideias e práticas radicais. O debate é frequentemente acompanhado por apelos à vigilância, lançados por cientistas sociais sensíveis à vertente aplicativa das suas investigações e, em particular, à tradução dessas em políticas públicas de contraste à difusão do radicalismo de direita.

A Nouvelle Droite francesa

Nesse contexto, as correntes intelectuais radicais mereceram uma atenção particular pela facilidade com que as ideias atravessam as fronteiras, graças ao cada vez maior alcance dos meios de comunicação em massa. De entre elas, destaca-se a Nouvelle Droite francesa (NDf) por ter representado, no último quartel do século XX, a mais chamativa e bem estruturada proposta cultural à disposição da audiência internacional anti-sistema.

Por essa razão, a NDf foi alvo de uma forte campanha de denúncia, ao longo dos anos, tanto no território nacional (cerca de 500 artigos de denúncia publicados na imprensa francesa só no “verão quente” de 1979) como a nível internacional (o Apelo à vigilância subscrito por 40 intelectuais europeus de renome e publicado por Le Monde em Julho de 1993).

Objectivos do estudo

Partindo da alegada perigosidade da difusão das ideias radicais, este estudo analisa a recepção da NDf por parte da extrema-direita portuguesa entre o final dos anos 1970 e o princípio dos anos 1980, com referências também aos seus primórdios na década de 1970.

O objectivo do estudo é reconstruir essa circulação das ideias entre França e Portugal e, principalmente, perceber o impacto dessa importação no tecido político e cultural de destino. Tecido este que na altura era particularmente permeável às novidades vindas do estrangeiro, devido à situação de crise vivenciada pela extrema-direita nacional após o colapso do Estado Novo e no rescaldo da fase revolucionária da transição democrática.

A NDf em Portugal

A investigação evidencia dois vectores principais de importação da NDf em Portugal: o grupo reunido à volta de Francisco Lucas Pires, no CDS e na Aliança Democrática; e o círculo da revista Futuro Presente, fundada e dirigida por Jaime Nogueira Pinto.

A análise desses dois vectores e da resposta do seu público-alvo demonstra como a eficácia na importação de ideias geradas em ambiente extra-nacional sofria os efeitos de duas variáveis relevantes: por um lado, as diferenças estratégicas dos actores empenhados na importação; e por outro lado, as identidades ideológico-doutrinárias preexistentes no meio receptor das novas ideias.

As diferenças estratégicas na importação

No primeiro caso, o interesse político-parlamentar do grupo de Francisco Lucas Pires privilegiou a importação do cariz liberal-reformista da nova direita francesa, representado pelo Club de l’Horloge.

Pelo contrário, o interesse cultural meta-político da revista Futuro Presente privilegiou a componente doutrinária julgada mais eficaz no combate das ideias, ou seja, a elaboração teórica de Alain de Benoist e do seu GREECE. Essas duas tendências aparentemente complementares jogaram também um papel de forte concorrência recíproca.

As identidades ideológico-doutrinárias preexistentes

No segundo caso, as correntes tradicionais da direita radical portuguesa demonstraram uma forte impermeabilidade à NDf. A componente ultra-católica rejeitou liminarmente o anti-monoteísmo paganizante da escola de Benoist. A componente Salazarista criticou o interesse dos camaradas franceses pelas temáticas da Nova Esquerda por representar uma cedência progressista.

A componente fascista denunciou o desvio cientista da NDf, ou seja a procura nas novas ciências das confirmações dos axiomas tradicionais das direitas. Também as direitas mainstream se demonstraram pouco interessadas à nova proposta, preferindo ancorar o seu liberalismo à emergente nova direita anglo-saxónica da era Thatcher e Reagan.

Conclusões

Assim, a importação dessa proposta intelectual teve, no médio e longo prazo, um efeito quase nulo nas direitas portuguesas.

Perante essas evidências empíricas, o estudo alerta para os efeitos perversos da análise da circulação de ideias, principalmente quando acompanhada por intuitos de denúncia social. Em particular, a atenção às variáveis ambientais pode revelar aspectos mais interessantes acerca das razões, das modalidades e das consequências da recepção por parte dos actores nacionais.

Alain de Benoist, still from video – Alain de Benoist – Réponses, VOLUME 1 (Chapitre 3 – extrait), director: Simone Olla, camera and sound: Jérôme Walter Gueguen, montage: Simone Olla, Xavier Tesson, Edoardo Matacena

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Riccardo Marchi

Post-doctoral researcher at CEI-IUL. PhD in Modern and Contemporary History (ISCTE-IUL). Research interests: right-wing radicalism (political thought, parties and movements) and the relations between States and radical organizations in contemporary Europe.

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