Eleições Angola: Mudar para que tudo continue na mesma?

No passado dia 23 de Agosto, mais de 9 milhões de eleitores angolanos puderam eleger, directamente e entre seis forças partidárias, a Assembleia Nacional de 220 deputados e, indirectamente, o Presidente e Vice-Presidente da República, os dois cabeças-de-lista do partido mais votado.

Os resultados eleitorais provisórios anunciados pela CNE confirmaram o objetivo eleitoral do MPLA de vitória por maioria qualificada. Quatro aspectos merecem ser destacados em relação a estas eleições e aos seus resultados provisórios.

Vitória menos acentuada do MPLA e a coexistência de dois gigantes

Comparativamente aos resultados eleitorais de 2012, estes provisórios traduzem uma redução do número de deputados do MPLA, ou seja, de 175 para 150 deputados. Porém, não põem em cheque a posição hegemónica deste partido, no poder desde a independência.

Podemos então assumir que a grande questão continuará a ser interna ao MPLA, nomeadamente, a habilidade de o futuro e novo Presidente, João Lourenço, ganhar espaços e conquistar relações de força a seu favor ao ní­vel intrapartidário e das elites para, deste modo, não ficar à sombra de José Eduardo dos Santos e construir o seu próprio legado de “milagre económico.”

Para muitos, Dos Santos não desistirá do seu poder e forte influência, desde logo para manter a acumulação de riqueza do seu círculo fechado. Neste ponto, o actual Presidente aprovou uma série de decretos para assegurar uma transferência da sua liderança numa linha de continuidade e sem atropelos à sua imunidade. Entre eles, garantiu o seu lugar no Conselho da República, órgão de aconselhamento do Presidente cujos membros gozam de imunidade judicial. Aprovou também a renovação dos mandatos dos chefes dos serviços de segurança e militar, precisamente para manter os seus aliados em posições fundamentais dentro do aparelho de Estado. Depois, importa destacar que o futuro vice-presidente, Bornito de Sousa, é um dos aliados de longa data de José Eduardo dos Santos.

Não obstante tudo isto, é um facto que, pela primeira vez, os cargos de Presidente da República e de Presidente do MPLA não corresponderão à mesma pessoa, o que nos faz questionar sobre se os dois gigantes vão conseguir coexistir. Ou, se pelo contrário, se verificará o mesmo que em Moçambique, aquando da alternância de liderança de Chissano para Guebuza e deste para Nyussi: uma só pessoa para os dois cargos e a consequente saída de cena do antigo líder.

Oposição: a coligação perdida e a grande surpresa não verificada

Em comparação com os resultados de 2012, tanto a UNITA (subiu de 32 para 51 deputados) como a CASA-CE (aumentou de 8 para 16 deputados) incrementaram a sua representação parlamentar. As duas principais forças da oposição anunciaram a possibilidade de se coligarem. Contudo, o cenário de coligação, mesmo com as restantes forças que conseguiram eleger deputados (PRS e FNLA), não permite uma relação de forças que obrigue o MPLA a negociar e a fazer concessões.

Por outro lado, a grande surpresa acabou por não se traduzir nos resultados provisórios, ou seja, a CASA-CE, partido criado em 2012, não destronou o partido histórico da oposição, a UNITA, embora tenha duplicado o seu número de deputados. Não obstante, estes resultados junto com o comportamento pós-eleitoral destes partidos mostram a importância de olhar não só para o MPLA, mas igualmente para o que acontece nas suas margens. Em particular, a oposição junta teve mais votos que o MPLA em Luanda, o que é revelador dos principais focos de descontentamento em relação ao partido do poder.

Divulgação dos resultados: laboratório de resultados, escrutínios paralelos e dependência da CNE

A divulgação dos resultados eleitorais provisórios pela CNE provocou várias reacções negativas por parte dos partidos da oposição e de membros da sociedade civil. A forma “apressada” como foram divulgados levou a denúncias sobre o eventual carácter fraudulento do processo (“fabricação de resultados”), bem como a forte dependência do organismo de administração eleitoral em relação ao MPLA.

Uma diferença relativamente às anteriores eleições foi a ausência de projecção dos resultados eleitorais e sua actualização em ecrãs montados pela CNE. Além do mais, os comissários da CNE, representantes dos partidos da oposição, demarcaram-se do processo de divulgação dos resultados provisórios por considerarem que não foi feito de acordo com a lei, nomeadamente, a partir das actas das Assembleias de Voto. A linguagem destes partidos não tem sido de não-aceitação pré-anunciada dos resultados, mas sim de denúncia do processo de escrutí­nio e de apresentação de contagens paralelas. Não obstante, importa referir que os escrutí­nios paralelos da UNITA e da CASA-CE não têm posto em causa a vitória do MPLA, mas antes a sua margem de vitória.

Estas reacções à CNE mostram o difícil equilí­brio de divulgar os resultados de acordo com a lei e de, ao mesmo tempo, responder à ansiedade por se conhecerem os resultados rapidamente, tudo isto num contexto de fortes constrangimentos, em especial de pouca margem de actuação destes organismos em regimes considerados não livres, como é o caso de Angola.

Monitorização eleitoral por parte dos cidadãos e sociedade civil mais musculada

Nestas eleições foram constituídas várias plataformas de monitoria das eleições por parte da sociedade civil, nomeadamente, a Plataforma Jiku do Movimento Handeka ou a organização Friends of Angola. Para além destas plataformas, foram disponibilizados vários aplicativos aos cidadãos para monitorizar as eleições, como é exemplo a Zuela. Por outro lado, vários cidadãos angolanos têm utilizado as redes sociais para denunciar em tempo real os casos de irregularidades, desde o registo eleitoral até à votação, passando também pelo processo de contagem de votos.

Estas plataformas denotam uma sociedade civil menos “inorgânica” em Angola e, no caso particular destas eleições gerais, que procura criar mecanismos confiáveis de monitorização das eleições, além da observação eleitoral e, assim, ser um contrapeso às narrativas do regime. Estes mecanismos da sociedade civil merecem uma maior atenção, mais ainda se tivermos em conta outros processos eleitorais no continente africano e o protesto popular a estes associados.

Photo by David Peterson / Public domain

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Cláudia Almeida

Researcher at CEI-IUL. PhD Political Science, Public Administration and International Relations (Universidad Complutense de Madrid). Research interests: elections, electoral violence, and processes of post-civil war democratization and peacebuilding in Africa. Previously visiting scholar at the CEA-Universidade Eduardo Mondlane, FCS-Universidade Agostinho Neto, ICS-Universidade de Lisboa.

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