Catalunha, a liberdade não é um posto

Estive por estes dias em Sevilla, uma cidade que palpita na sua identidade muito própria, e que nos revela a manta de retalhos identitária que é a Espanha. Ao lado do calor de um Outubro estival, é quente a imprensa com o tema da independência catalã. Por todo o lado as bandeiras da Espanha unida vestem as janelas. Há manifestações da unidade espanhola pela Andaluzia, como por toda a Espanha, numa escalada frenética pela união, como se o revivalismo patriótico tivesse sido ativado pela noção de partilha e pertença. A Espanha múltipla tornou-se a Espanha de todos, mesmo dos catalães revoltosos, chamados a voltar aos braços redentores da coroa.

A declaração de independência

A declaração de independência de Puigdemont teve o condão de tornar uma utopia um ativo político, fez de um sonho um projeto político mais ou menos realista, com claros contornos de levante. As bases do nacionalismo catalão foram sendo construídos, pelo menos, desde a revolta no século XVII, altura em que a região ficou sob a tutela francesa, como uma verdadeira república. Em 2013, uma enorme corrente humana reivindicou a independência da Catalunha e a sua formal adesão à União Europeia. O sonho revolucionário e o espírito libertário catalão colheram muitos simpatizantes. No entanto, tal com a nostalgia tece utopias para o passado, o sonho independentista tem consequências quando passado à peneira da realidade, quando se efetiva. Em 2015 é dado novo impulso ao projeto de independência catalã com mais de um milhão de pessoas nas ruas.

Para a história moderna ficará, para sempre, para o bem ou para o mal, o ano de 2017 como o mais emblemático na luta catalã pela independência, através de um referendo fortemente reprimido pelas autoridades centrais, e do qual terá saído um resultado de 90% de votos a favor da independência, a qual viria a ser declarada a 10 de outubro de 2017, e temporariamente suspensa. Numa votação ocorrida a 27 de outubro, o parlamento catalão aprova uma resolução de independência, da qual resulta a dissolução do governo por parte do chefe de governo central, Mariano Rajoy, e a convocação de eleições antecipadas.

Uma desordem desnecessária

Com efeito, todo o processo foi sendo tremendamente mal conduzido, por ambas as partes, com um particular peso da parte do chefe de governo espanhol. A violenta repressão ao referendo resultou num forte incentivo ao movimento separatista, forçando um confronto entre o ideal romântico da independência e o símbolo do poder central sediado em Madrid. Por outro lado, correm rumores que alguns dos votantes favoráveis aos “sim” terão votado por várias vezes, tornando os resultados pouco claros.

A declaração independentista, por seu turno, foi feita num ambiente pouco consensual, tendo votado apenas uma parte dos parlamentares, depois do abandono do auditório por parte dos favoráveis à união espanhola. Nesse sentido, esta declaração de independência não parece, em nada, resultar de um consenso catalão. Há, portanto, uma enorme irresponsabilidade da parte de Puigdemont, que mais do que à revelia do Estado espanhol – todas as independências, são, afinal, uma revolta face a um poder que não se reconhece -, terá declarado independência à revelia dos próprios catalães. Por outro lado, pior fica a imagem de Rajoy, roçando uma posição franquista que não abona a favor de um princípio espanhol unitário e democrático. Uma grande parte desta confusão poderia ter sido evitada, e Rajoy teria saído vitorioso deste confronto, se tivesse tido a audácia de permitir o referendo livre e obrigatório em toda a Catalunha. Não tendo tido a audácia política, ficou-se pelo figurino, e tendo destituído o governo catalão convocou eleições para dia 21 de dezembro, deixando, até lá, a Espanha em clima de tensão.

Puigdemont levou a sério a velha afirmação de Goethe: “só é digno da liberdade, como da vida, aquele que se empenha em conquistá-la”, faltou-lhe ter a certeza que falava em nome de uma maioria clara dos catalães. E esse foi um erro de cálculo.

Artur Mas e Carles Puigdemont na tomada de posse deste último como Presidente da Generalitat da Catalunha em Janeiro de 2016 / Photo by Generalitat de Catalunya

 

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

João Ferreira Dias

Researcher at CEI-IUL. PhD in African Studies (ISCTE-IUL) about politics of memory, and cultural loss in the terreiros de Candomblé. Research interests: religious memory, nostalgic sentiments and cultural loss, the orthopraxy and thought patterns in jeje-nagô Candomblé, and the Yorùbá construction and religious and ethnic identity.

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