Human Rights Watch alerta que o clima de medo em Moçambique sobe para níveis alarmantes
No passado dia 13 de Abril a Human Rights Watch (HRW) afirmava que o fracasso das autoridades moçambicanas em investigar, com credibilidade, as recentes mortes e assaltos a proeminentes críticos do governo está a criar um ambiente de medo entre os ativistas do país. Ao sequestro e espancamento do jornalista e advogado de direitos humanos Ericino de Salema, a 27 de março de 2018 em Maputo, seguiram-se relatos de ativistas à HRW sobre intimidações e ameaças de que foram alvo por parte de supostos membros das forças de segurança. Na sequência destas ameaças, os ativistas confirmaram que foram forçados a mudar de casa e de carro, e mudaram as suas rotinas depois de perceberem que veículos sem matrícula os seguiam pela capital ou ficavam estacionados perto das suas casas.
Salema é comentador político residente num dos programas televisivos com maior audiência em Moçambique, o “Pontos de Vista” do canal STV, e confirmou ter recebido telefonemas ameaçadores antes de ter sido raptado. É a segunda vez que um comentador político deste programa é vítima destes ataques – em maio de 2016, José Jaime Macuane, um analista político e professor universitário, foi também sequestrado e baleado nas pernas por homens armados, e depois abandonado numa área isolada nos arredores de Maputo. Quase dois anos depois, o caso ainda não foi resolvido.
Desde março de 2015 que as autoridades moçambicanas parecem não conseguir investigar adequadamente os assassinatos de alto perfil que ocorreram por todo o país.
As vítimas incluem um advogado constitucional, Gilles Cistac, em março de 2015, que foi baleado por quatro homens não identificados às portas de um café em Maputo. No dia 8 de outubro de 2016, Jeremias Pondeca, membro da oposição da Renamo e que preparava uma reunião entre o Presidente Filipe Nyusi e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, foi morto a tiro durante a sua corrida matinal na Costa do Sol (Maputo). A 4 de outubro de 2017, o Presidente da Câmara de Nampula e membro do partido da oposição MDM (Movimento Democrático de Moçambique), Mahamudo Amurane, foi morto a tiro perto da sua casa por homens não identificados. A Polícia de Investigação Criminal de Moçambique (PIC), o órgão governamental responsável pelas investigações criminais, prometeu publicamente investigar os casos mas até agora não identificou nenhum suspeito.
Não é a primeira vez que a HRW chama a atenção para as violações de direitos humanos em Moçambique. No início de 2018, um relatório desta organização alertava para “a existência de dezenas de violações aos direitos humanos perpetradas entre 2015 e 2016 pelas forças governamentais e pela ala armada da oposição, no âmbito do conflito militar que opôs o Governo e a Renamo”, tal como outros relatórios de outras instituições salientavam o clima de impunidade que se sentia no país na sequência destes confrontos. As vítimas contabilizam-se aos milhares, como comprovam os relatos sobre os movimentos de refugiados moçambicanos para o Malawi , sobre a descoberta de valas comuns na região da Gorongosa ou sobre a existência de “esquadrões da morte” destinados a assassinar opositores ao regime.
Este mais recente alerta da HRW surge na mesma altura em que o Presidente Filipe Nyusi se encontra em Londres para participar no Encontro de Chefes de Governo da Commonwealth. No âmbito da sua estadia no Reino Unido, Nyusi falou no passado dia 17 de Abril na Chatham House acerca da paz, da democracia e das perspetivas de desenvolvimento em Moçambique. O seu discurso confirmou que o desenvolvimento inclusivo está no centro da sua agenda política e que os benefícios económicos devem alcançar os mais vulneráveis, enfatizando que o atual sistema democrático do país permite a coexistência de visões divergentes e a responsabilização dos funcionários públicos.
Perante os últimos acontecimentos e as graves denúncias da HRW, e tendo em conta o espectro do escândalo dos dois mil milhões de dólares de dívidas ocultas, a retórica de Nyusi parece estar mais próxima de wishful thinkingdo que da realidade. O fracasso do governo em investigar e penalizar quer crimes (aparentemente) politicamente motivados, quer crimes de corrupção praticados por gestores públicos e empresas do Estado, afeta seriamente a credibilidade do sistema de justiça do país– sistema esse que é essencial para a paz e para a confiança nas instituições governativas. Por muito que se salientem os benefícios do crescimento económico, impulsionado largamente por grandes projetos no setor mineiro e de petróleo e gás, Moçambique tem ainda um longo caminho a percorrer até que os benefícios económicos se traduzam num clima de confiança institucional e numa sociedade mais justa e equitativa.
Presidente Filipe Nyusi, foto de Adrien Barbier / CC BY-SA 2.0
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