Mário Soares: a Europa com Ele

Mário Soares e o PS antes de 1974

Mário Soares foi um dos mais importantes líderes políticos portugueses e europeus das décadas de 1970 e 1980. O papel preponderante que desempenhou enquanto dirigente da oposição não comunista à ditadura portuguesa (foi líder da Acção Socialista Portuguesa – ASP), durante o final dos anos 1960, tornou-o conhecido e reconhecido por toda a Europa ocidental, sobretudo no seio dos partidos socialistas e social-democratas. O esforço de internacionalização do grupo socialista português, combinado com os contactos de Tito de Morais e Ramos da Costa em Itália e França, acabou por compensar e, em 1972, a ASP foi admitida na Internacional Socialista (IS). Aquele que era o grande palco político da social-democracia europeia permitiu à pequena ASP consolidar e alargar os seus contactos e apoios externos. Permitiu-lhe igualmente reforçar as ligações bilaterais que tinha com alguns grupos políticos particulares, como os Socialistas franceses, ou o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). O SPD era um dos partidos da IS com mais vastos recursos, quer em termos de influência política internacional, quer do ponto de vista dos recursos materiais e financeiros, determinantes no apoio e solidariedade internacionais.

Ultrapassando as dúvidas e hesitações de alguns dos seus membros, sobretudo daqueles que, estando em Portugal, poderiam vir a sofrer diretamente as graves consequências para os membros de um partido político, algo proibido pela ditadura, Soares tornou-se Secretário Geral do Partido Socialista Português no dia 19 de Abril de 1973, num congresso realizado perto de Bona, na República Federal da Alemanha, numa Academia da Fundação Friedrich Ebert. A influência do SPD e da Fundação Ebert seria uma constante nos anos que se seguiram, determinantes para a história do Partido Socialista, mas sobretudo, para a história de Portugal.

O 25 de Abril de 1974

A Revolução de 25 de Abril de 1974 apanhou Mário Soares precisamente em Bona, onde procurava explicar aos seus interlocutores – dirigentes do SPD e da Fundação Ebert, bem como alguns funcionários social-democratas dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa – que estava em preparação um golpe de Estado em Lisboa. Os acontecimentos daquela madrugada vieram contradizer da maneira mais clara as previsões alemãs, que consideravam que seria a Espanha o primeiro país a entrar na via da democratização, após a morte de Franco que se julgava próxima.

De Bona, Mário Soares partiu para Lisboa, faltando assim ao encontro que tinha com o ex-Chanceler e líder do SPD, Willy Brandt. Ao chegar a Lisboa, num episódio muitas vezes relatado, Soares é levado ao Palácio da Cova da Moura, onde o então Presidente da Junta de Salvação Nacional, general António de Spínola, lhe diz que conta com ele para garantir o apoio internacional às novas autoridades portuguesas: “a revolução está feita é preciso ir lá fora.” A partir daí, Soares vai ser um dos principais rostos da revolução portuguesa na Europa, bem como da luta que o país vai travar pela definição do sistema político que sucederia ao regime autoritário do Estado Novo.

Em primeiro lugar, como Ministro dos Negócios Estrangeiros dos três primeiros governos provisórios (de Maio de 1974 a Março de 1975), altura chave para o esclarecimento das intenções e dos objetivos das novas autoridades relativamente à manutenção dos compromissos internacionais de Portugal e à abertura da diplomacia portuguesa, que poderia definitivamente por de lado os constrangimentos sentidos pelo regime autoritário e colonial do Estado Novo.

O combate pela democracia e os apoios internacionais

Mas este combate pela democracia em Portugal vai ter também repercussões também do ponto de vista externo. Para além do já conhecido apoio internacional que Mário Soares granjeou junto dos países ocidentais (Alemanha Federal, Estados Unidos, Brasil, entre outros), também do ponto de vista das solidariedades partidárias o papel de Soares foi marcante. O caso português foi determinante não só do ponto de vista das tensões da Guerra Fria, especialmente quando se atravessa o período da détente, mas também do ponto de vista da liderança da Internacional Socialista, que experimentava um debate entre a tendência mais socialista, defendida pelo Partido Socialista frances de François Mitterrand (também bastante próximo de Soares), ou a versão mais social-democrata protagonizada pelo SPD de Willy Brandt.

Determinante para a defesa da posição do Partido Socialista e de Soares foi a criação de um Comité de Amizade e Solidariedade com a Democracia e o Socialismo em Portugal, liderado por Willy Brandt, com Mitterrand (França), Olof Palme (Suécia), Bruno Kreisky (Áustria), Jopp den Uyl (Holanda) e James Callaghan (Reino Unido).

De tal maneira que Mário Soares, já depois de atravessado o período revolucionário e em vésperas das primeiras eleições legislativas, conseguiu reunir em Portugal, em Março de 1976, a nata da social-democracia europeia (e pró-ocidental), numa reunião da Internacional Socialista sob o mote “A Europa connosco!”. Foi um dos sinais mais claros da proximidade e do apoio dos socialistas europeus à democratização portuguesa e, sobretudo, ao Partido Socialista Português.

Este evento marcou também a grande opção estratégica da política externa portuguesa do jovem regime democrático: o pedido de adesão à Comunidade Económica Europeia, que seria apresentado em Março de 1977.  O apoio massivo dos líderes europeus em Março de 1976 terá sido um elemento importante na reeleição de Soares. Adicionalmente, tal como Willy Brandt afirmara no Porto, no discurso de encerramento do encontro A Europa connosco!, “Portugal pertence à Europa – a Europa deve reconhecer as suas responsabilidades perante Portugal». A adesão seria concretizada em 1986, desta vez com Mário Soares como Presidente da República.

O PS e a Internacional Socialista

Também do ponto de vista partidário a posição de Mário Soares se manteve em destaque. Internamente, manteve-se sempre como uma das grandes figuras do Partido Socialista Português. Do ponto de vista externo, ocupou posições centrais na Internacional Socialista, tendo sido seu vice-presidente entre 1976 e 1986, sob a presidência de Willy Brandt. Neste âmbito foi uma das figuras mais destacadas nos contactos da IS com a América Latina e o Médio Oriente, numa altura em que ambas as regiões estavam a passar por momentos de tensão. Sobretudo na América Latina, Soares destacou-se pelo estabelecimento de contactos com partidos opositores e pró-democráticos e pelo aumento da influência da social-democracia europeia naquela região.

Uma figura incontornável

Mário Soares não foi uma figura consensual. Não o poderia ser, tendo ocupado tantas posições de destaque e estando presente em tantos momentos definidores da política portuguesa – interna e externa. Será contudo, sempre uma figura incontornável do século XX português.

Mário Soares em 1978. Photo by Claude Truong-Ngoc / CC BY-SA 3.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Ana Mónica Fonseca

Postdoctoral researcher at CEI-IUL. Guest Assistant Professor at ISCTE-IUL. Researcher at IPRI-UNL. Research interests: Southern Europe democratic transitions, Portuguese-German relations during Cold War, transatlantic relations, German History, democracy promotion and transnational history.

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