Os Movimentos Sociais de ‘Resistência’ nos Cadernos de Estudos Africanos
Os movimentos sociais e os Estudos Africanos
O interesse para com movimentos sociais comprometidos com assuntos colectivos tem sido, nos últimos anos, um dos elementos centrais da reflexão dos “Estudos Africanos.” O mosaico apresenta-se extremamente diversificado, portanto dificilmente susceptível de uma qualquer forma de classificação ou caracterização.
Entretanto, as duas tendências que parecem prevalecer são, por um lado, a ocupação dos espaços públicos e das esferas de debate por parte de elites políticas cuja credibilidade está em queda livre e, por outro, a crescente radicalização da oposição contra o “sistema” em algumas áreas fulcrais da África.
O exemplo da Nigéria com o Boko Haram ou da Somália com Al Shabaab são apenas dois desses casos. Como consequência, estas duas tendências têm levado ao restringimento da esfera pública – a partir da liberdade de expressão e de imprensa – e à progressiva ocupação dos espaços geofísicos por parte de movimentos radicais assim como de bases militares das potências ocidentais.
No primeiro caso, vale a pena assinalar que não existe nenhum país africano entre os primeiros quinze no World Press Freedom Index, e que apenas três estão nos primeiros quarenta. No segundo, que os Estados “frágeis” estão em via de definitiva decomposição, assumindo a função de teatros de uma nova guerra, já não entre Oriente e Ocidente, mas sim entre radicalismo islamita e Ocidente. Onde, obviamente, os espaços de discussão livre resultam praticamente já esgotados.
A evolução dos movimentos sociais em África
O último número dos Cadernos de Estudos Africanos, que tive o privilégio de organizar juntamente com o colega brasileiro Remo Mutzenberg, procura levar a cabo uma reflexão em volta dos movimentos sociais em África. Trata-se de uma tentativa de análise ousada, certamente parcial, mas que tem uma linha de leitura da realidade africana bastante definida: como é que se configura e reconfigura o espaço público no continente africano? Quem é que protagoniza debates, críticas, reflexões, muito além do domínio do Político no sentido clássico, mas incidindo ainda neste Político, cada vez mais fechado e angusto?
Os anos Noventa representaram, para muitas realidades africanas, o renascimento da sociedade civil. Depois dos terríveis anos Oitenta, com a intervenção do FMI a impor duras políticas de ajustamento estrutural, na década que se seguiu, movimentos sociais africanos fortificaram-se, inclusive graças à ajuda das organizações internacionais. O sector privado, um pouco em toda a África, tem alargado o seu raio de acção, nos mais diversos domínios: formação, ensino superior, saúde, media, e serviços em geral.
Entretanto, este processo nem sempre resultou numa ampliação da esfera pública e em maior liberdade. Hoje em dia, no século XXI, em vários países – tais como Angola, Zimbabwe, Moçambique, a própria África do Sul, entre outros – os antigos partidos “libertadores” estão a tornar-se cada vez menos tolerantes e dispostos a ceder o poder, de que detêm o monopólio desde as independências.
Mas deixando vislumbrar o fim duma época de domínio – que será todavia sangrenta e nada pacífica – o caso de Moçambique constitui talvez o exemplo mais paradigmático dessa situação. Em paralelo, os grandes recursos económicos que estão a ser descobertos em África estão a determinar uma crescente ingerência por parte de multinacionais e potências mundiais, limitando cada vez mais os espaços de autonomia decisória daqueles países.
Os movimentos sociais em África nos Cadernos de Estudos Africanos
O último número dos Cadernos procura identificar actores e modalidades de intervenção social diferentes. Procura sobretudo conhecer como é que a esfera pública africana está a ser articulada, quais as suas dinâmicas, e quais os principais constrangimentos com que depara. Por isso, os artigos que compõem a revista abordam, em geral, temáticas de “resistência:” desde movimentos comprometidos com a causa do meio ambiente na Mauritânia, aos rappers Angolanos, desde os activistas urbanos na cidade da Praia, aos movimentos LGBT no Uganda, aos Djuntamon numa perspectiva comparativa entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau.
Como foi dito, fomos muito longe de esgotar as questões relativas aos movimentos sociais em África no século XXI. Entretanto, julgamos que os artigos seleccionados representam uma amostra interessante e significativa de algumas das principais tendências que se fazem sentir hoje em África, quanto às dinâmicas dos seus movimentos sociais de “resistência.”
National Women’s Day Protest in South Africa, Photo by K. Kendall / CC BY 2.0
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