«Perdemos Nampula! Perderemos mais em Outubro?»

Enquanto muitos olhos estão postos no «bulldozer» de João Lourenço em Angola, importantes acontecimentos ocorrem em Moçambique. No dia 10 de Outubro realizar-se-ão aquelas que serão as quintas eleições autárquicas em Moçambique. Contudo, na sequência do assassinato do Presidente do Conselho Municipal, Mahamudo Amurane, no dia 4 de Outubro do passado ano – data, aliás, do 25º aniversário da assinatura do Acordo Geral de Paz -, o município de Nampula realizou eleições intercalares a 24 de Janeiro, cujo resultado conduziu à necessidade de uma segunda volta no passado dia 14 de Março, entre os dois candidatos mais votados. Os resultados foram anunciados no dia 15 de Março e confirmaram a vitória do candidato da RENAMO, Paulo Vahanie, com 58.5% dos votos.

Estas eleições salientam, desde já, três aspectos:

A qualidade do processo eleitoral

Várias organizações da sociedade civil como a Plataforma Sala da Paz ou a Votar Moçambique observaram esta segunda volta e identificaram vários problemas, desde a falta de material, problemas com os cadernos eleitorais e boletins de voto. Ou seja, os processos eleitorais continuam a apresentar irregularidades e a alimentar a desconfiança por parte da oposição em relação à independência da administração eleitoral face ao partido no poder. Destaca-se ainda que o novo site da CNE de Moçambique continua sem disponibilizar informação sobre estas eleições, bem como sobre o recenseamento geral da população para as eleições autárquicas no Outubro próximo.

Ligeiro aumento da participação e um aviso à FRELIMO

Comparativamente à primeira volta, houve um incremento de 8% na afluência às urnas. Porém, este ligeiro aumento continua a traduzir valores de participação muito baixos, já que apenas 32,5% dos eleitores inscritos votou. Sobre o significado desta participação, o investigador Carlos Shenga aponta para algumas pistas, nomeadamente os chamados Born-Frees, a geração jovem que nasceu no pós-guerra e a sua menor participação nas eleições. Não obstante, importa salientar que as eleições locais desde o seu primeiro ano de realização têm apresentado valores de participação reduzidos, não obstante uma tendência gradual positiva em termos de aumento.

Outros há dentro da própria FRELIMO (membros séniores) que têm encarado estes resultados como um aviso ao partido no poder, referindo que a nova geração dos ditos Born-Frees está a procurar libertar-se dos libertadores. Este aviso parte de uma FRELIMO descontente com a liderança de Nyusi e que critica o seu governo por estar demasiado concentrado na satisfação dos interesses dos estrangeiros e da RENAMO e de se rodear de certos membros.

Certo é que a FRELIMO não conseguiu recuperar Nampula (perdida em 2013) e este poderá ser um teste à liderança de Filipe Nyusi dentro da própria FRELIMO.

Eleições em tempo de negociações e a volta à lógica bipartidária

As anteriores eleições locais de 2013 foram vistas como uma mudança no xadrez político do país, nomeadamente a ascensão do novo partido (pós-guerra) MDM. Até 2008, as eleições seguiam uma lógica bipartidária, aliás ligada ao passado da guerra; isto é, acabavam por se reduzir à disputa entre a FRELIMO e a RENAMO, com o primeiro partido a dominar e o segundo a não participar e ou a denunciar fraude. Em 2003, a RENAMO conseguiu alguns municípios, incluindo a Beira, a segunda maior cidade do país. Porém, em 2008 vemos o principal partido da oposição enfraquecido e a ascensão do MDM, liderado por um ex-membro expulso da RENAMO, Daviz Simango, ao ganhar a Beira, cuja vitória manteve depois em 2013, ano em que a RENAMO se negou a participar nas eleições. Apesar da vitória esmagadora da FRELIMO em 2013, o MDM conquistou importantes municípios como a Beira, Quelimane e Nampula, deixando muitos entusiasmados com esta nova força política e uma possível ruptura da lógica bipartidária.

No entanto, a conquista de Nampula pela RENAMO faz-nos questionar: se as próximas eleições de Outubro significarão a recuperação dos importantes municípios ganhos pelo MDM pelo principal partido da oposição; se o MDM vai aguentar-se, sair de cena ou antes aliar-se à RENAMO; por outro lado, que estratégia de alianças seguirá a RENAMO em Outubro? Por outras palavras, a lógica bipartidária está em força novamente?

Podemos afirmar que as eleições locais em Moçambique são dominadas pela política nacional. Neste sentido, é importante reter que esta vitória da RENAMO ocorre num contexto de negociações entre o governo e o partido da oposição. Efectivamente, houve um reacendimento do confronto armado entre os dois em 2010 que se agudizou em 2014, com as eleições que deram de novo a vitória à FRELIMO e ao seu novo candidato, Filipe Nyusi. Desde então, ocorrem um sem fim leque de negociações, recentemente com importantes projetos de lei de revisão pontual da constituição a serem apresentados no Parlamento no âmbito da descentralização, cuja eventual entrada em vigor já está a dar um novo alento à RENAMO.

Tal como o investigador Adriano Nuvunga[1] refere, as eleições em Moçambique, sejam nacionais ou locais, realizam-se num contexto de desconfiança entre a FRELIMO e a RENAMO, aliás uma das tónicas da relação entre os dois partidos desde as negociações do acordo de paz. A implementação daquilo que foi acordado entre as duas forças em 1992 continua a ter impacto em todas as questões eleitorais e denota o carácter exclusivista da paz. Mia Couto bem caracterizou esta paz «desconseguida» e as suas reais motivações no Último Voo do Flamingo: «o problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma doença em nossa história».

[1] Adriano Nuvunga. 2012. «Tendências nas Eleições Municipais de 1998, 2003 e 2008». B. Weimer (ed.). Moçambique: Descentralizar o Centralismo – Economia Politica, Recursos e Resultados. Maputo: IESE. pp. 281-298.

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Cláudia Almeida

Researcher at CEI-IUL. PhD Political Science, Public Administration and International Relations (Universidad Complutense de Madrid). Research interests: elections, electoral violence, and processes of post-civil war democratization and peacebuilding in Africa. Previously visiting scholar at the CEA-Universidade Eduardo Mondlane, FCS-Universidade Agostinho Neto, ICS-Universidade de Lisboa.

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