O que deu a vitória a Macron?
Macron venceu e ninguém pode dizer-se realmente surpreendido por este resultado. Parece quase que nem Marine Le Pen estava à espera de ganhar – apenas dez minutos depois de se tornarem públicas as primeiras projeções, que davam a vitória a Emmanuel Macron, já a candidata de extrema-direita estava a discursar. No discurso, curto e incisivo, Le Pen deu os parabéns ao adversário (algo que não aconteceu na primeira volta) e dirigiu-se aos 11 milhões de franceses que votaram nela: “França vai precisar de vocês”.
“Devemos aproveitar esta oportunidade. Vou transformar o nosso movimento, quero convidar todos os patriotas a juntarem-se a nós”, disse a líder do partido Frente Nacional, prometendo mudanças no partido da extrema-direita. E essa mudança passaria pela associação a outro partido de direita. De facto, circularam alguns rumores que apontavam para uma possível parceria entre a Frente Nacional e o partido Debout La France, cujo líder, Nicolas Dupont-Aignan, estava indicado como o primeiro ministro de Le Pen em caso de vitória. Dessa parceria, surgiria uma (tão necessária, em termos estratégicos) mudança na imagem da parte do Partido de extrema-direita.
Esta alteração pode ser vista como um “piscar de olho” aos eleitores conservadores, que têm dificuldades em terem como opção eleitoral um partido visto como nacionalista e xenófobo. Os rumores já foram entretanto desmentidos, mas Le Pen parece reconhecer a necessidade de inovação dentro do coração do movimento, e os 11 milhões de eleitores que votaram nela parecem-lhe dar-lhe força para continuar. Do ponto de vista externo é, no entanto, preocupante, este movimento de aparente normalização da Frente Nacional e dos valores que lhes dão força – tal como aconteceu nos casos húngaro e norte-americano.
Quem é Emmanuel Macron?
Mas falemos do vencedor. Emmanuel Macron vai ser o mais jovem presidente francês. Com apenas 39 anos, o licenciado em filosofia e antigo Ministro da Economia prepara-se agora para ocupar o Eliseu.
O candidato centrista e fundador do movimento “En Marche” não contou com o apoio de nenhum grande partido até à segunda volta. Só depois de sabidos os resultados da primeira volta é que vários antigos adversários se apressaram a declarar-lhe apoio, uma atitude que causou algumas dúvidas, pois não ficou claro se o faziam por identificação ideológica ou numa tentativa de dispersar votos em Marine Le Pen (ou, provavelmente as duas coisas). Em termos ideológicos, Macron é ambíguo – e talvez seja precisamente essa a razão que norteia os seus apoiantes, assim como os seus críticos -, juntando elementos de uma política económica de direita com uma política social que cai mais à esquerda.
Uma das propostas mais emblemáticas de Macron incluíam a fusão de múltiplos sistemas de pensões públicos e privados, bem como uma fusão dos sistemas de subsídios de desemprego, explica a Reuters.
Em termos da imigração e integração, um dos temas mais quentes de uma França sucessivamente abalada por atentados reivindicados pelo Estado Islâmico, Macron propõe a aplicação de políticas seculares na vida pública, mas sem proibir o uso de véu muçulmano por estudantes universitárias, tal como defendiam alguns candidatos fizeram. Como medida de integração, o agora presidente francês também propôs um subsídio estatal de 15 mil euros, ao longo de três anos, para as empresas de contratarem pessoas em 200 bairros desfavorecidos. Em contrapartida, vai tornar o domínio da língua francesa um fator decisivo na atribuição de nacionalidade.
É importante não esquecer que Macron é um europeísta, mas não um europeísta cego. Apesar de ter sido acusado pela principal adversária de ser um “fantoche” de Merkel, numa tentativa de emasculação de Macron, o candidato não se assume como um vassalo das políticas de Bruxelas e propõe uma reforma europeia – revendo, por exemplo, as prioridades da União até ao final de 2017.
Sentindo uma falta de identificação com o projeto europeu, Macron afirma-se como o defensor da Europa: “Defenderei a Europa, é a nossa civilização que está em jogo, a nossa maneira de sermos livres. Vou trabalhar para reforçar os laços entre a Europa e os cidadãos”, disse, no discurso pós-resultados. O desencanto com o projeto europeu foi estudado por vários autores, nomeadamente Bârgaoanu et al (2014) que identificaram alguns fatores para esse comportamento, como os políticos e de identidade — e que parecem ter muita relevância em França.
O presidente eleito enfrenta agora um problema de base legislativa. Como a sua candidatura surgiu de um movimento que tem agora pouco mais de um ano, Macron não tem apoios partidários suficientes para fazer passar o seu programa. O ex-ministro de Hollande tem agora pouco mais de um mês para transformar este movimento num partido com condições de ter uma representação forte na Assembleia Nacional de França.
Macron vai ter também de lidar ainda com um dos fantasmas do passado. O eleitorado francês não esquece aquela que passou a ser conhecida como a “Lei Macron” e que o candidato já prometeu renascer. Entre outras coisas, a “Lei Macron” aumentava o número de domingos em que os comércios podiam abrir – numa clara proposta de liberalização da economia que parece pouco alinhada com as políticas sociais que propõe.
Quem votou em Macron?
Não se trata de uma França dividida, como deu a entender Le Pen. Antes uma França unida na tentativa de conter o populismo. Os 62,33% dos votos que deram a vitória a Macron dispersam-se por quase todo o território. Os apoiantes de Marine Le Pen concentram-se mais a Norte: em Rouen, Châlons-en-Champagne, Metz… e, surpreendentemente, Amiens, terra do candidato centrista. A popularidade de Le Pen foi superior em áreas onde o desemprego bate recordes nacionais, de acordo com a infografia do New York Times.
A popularidade de Macron foi quase total em Limoges e Clermont-Ferrand, Bordéus e Toulouse. A comunidade de île de France, onde se situa a capital, também votou Macron.
Uma sondagem da Ipsos sobre as razões apontadas pelos eleitores para o voto em Macron. 43% dos inquiridos referiram a oposição a Marine Le Pen como principal razão de voto. Já 33% dos inquiridos apontavam a renovação política que representa, 16% o seu programa e 8% a sua personalidade.
De facto, o voto em Macron parece ilustrar o fenómeno descrito por Lee et all (2016), autores que falam de uma dissonância entre a intenção de voto e o comportamento de voto, argumentando que o voto pode não ser apenas racional, mas antes ligado a um medo ou uma resposta emocional. Neste caso, e extrapolando os resultados deste estudo, podemos dizer que o voto em Macron teve tanto de racional como de emocional: um dos fatores que provocou a ascensão de Macron pode mesmo ter sido o medo da xenofobia e racismo de Le Pen, ainda que a preferência política não recaia necessariamente num candidato com o perfil de Macron.
Referências:
- Bargaoanu, A. et al. (2014). The Rise of Eurocepticism in times of crisis. Evidence from 2008-2013 Eurobarometers, Revista Romana de comunicare si relapii publice, 1, p.9-23
- Lee I-C, Chen EE, Tsai C-H, Yen N-S, Chen ALP, Lin W-C (2016). Voting Intention and Choices: Are Voters Always Rational and Deliberative?, PLoS ONE 11(2): e0148643. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0148643
Emmanuel Macron. Photo by thierryleclercq / Public domain
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.