A França e o Problema do Populismo Anti-Europeísta

Tal como previsto pela generalidade das sondagens, Emmanuel Macron venceu as presidenciais francesas de 2017 contra Marine Le Pen (65% vs 35%). Apesar de Macron se apresentar como candidato independente, ele não deixa de ser o ex-ministro do anterior presidente e o seu discurso marca uma continuidade com a linha governamental dos últimos anos. Nas questões centrais como a NATO, União Europeia (UE) e o cosmopolitismo global anti-identitário, Macron representa continuidade. Assim, tal como no mítico filme “O Leopardo”, a maioria dos eleitores franceses preferiu mudar para que continuasse tudo igual.

Contudo, o que interessou ao mundo mediático nesta eleição foi o crescimento (já antecipado) da Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen. Esta eleição foi vista como representando a divisão ideológica que cada vez mais se cristaliza no ocidente: o globalismo económico/migratório (de Macron) contra o patriotismo/nacionalismo/identitarismo (de Le Pen). A vitória de Macron mostra que o atual modelo político ocidental em vigor tem mecanismos de defesa contra partidos populistas de direita que desafiem as suas linhas ideológicas.

O obstáculo do anti-europeísmo

Sendo Macron o representante da continuidade, importa perceber algumas razões pelas quais Marine Le Pen não conseguiu afirmar-se como alternativa de poder. Algumas são já conhecidas, como a blindagem estrutural do sistema político a challengers ou a hostilidade da imprensa para com a FN, mas existe uma razão que penso ser central para se perceber estes resultados: a adopção do anti-europeísmo populista por parte de Le Pen. Apesar de rotulada de populista, Marine falhou em percepcionar o que era popular. Na sua tentativa de alargar o espectro político e programático, ela focou-se na oposição à UE e ao Euro. Causas que não são sequer de central importância entre os seus apoiantes. Na essência, a força da FN está na política de identidade e imigração.

É muito provável que muitos mais do que os 35% que votaram em Le Pen tenham preocupações com as vagas migratórias e com a consequente perda de identidade. Contudo, uma grande maioria não quer a França fora da União Europeia. Nas mais recentes sondagens, 74% da população revela não querer sair da União Europeia e 72% não está interessada em sair do Euro. Ao culpar as elites europeístas, Marine tentou conquistar as classes mais baixas que se sentem vítimas da globalização, mas perde a classe média e média alta que não está preparada para os choques económicos e políticos que uma saída do Euro e da UE implicariam. Ademais, com as alterações demográficas em curso, nos próximos tempos as classes mais pobres irão ser constituídas pelos novos imigrantes económicos não-europeus, que não serão sensíveis à mensagem identitária que anima as forças da FN. Assim, a FN comete o erro de alienar as classes médias.

Dir-se-á que as classes médias são intrinsecamente liberais e não são passíveis de serem convencidas pela mensagem da FN, como tal, esta foi a única estratégia possível. Contudo, estas também são sensíveis à questão identitária (já o foram historicamente), apenas não a qualquer custo. Principalmente num país como a França, que estando no coração da Europa e sendo produto da história dos povos europeus, de Napoleão, a Aristide Briand, à Nouvelle Droite,  sempre pensou em termos europeístas (ao contrário de países como o Reino Unido). Para muitos franceses, é possível que o nacionalismo de Le Pen não seja indesejável porque se baseia na identidade, mas sim porque “pensa” pequeno dentro da Europa. A ideia veiculada constantemente por Marine de que devemos regressar para uma Europa das nações dificilmente soa a algo mais do que um eterno retorno para as divisões intra-europeias que tanto castigaram a Europa durante a sua história.

O fim do rumo populista?

Se Le Pen se tivesse focado nas questões a que a população é sensível como as da identidade, migração e economia, teria potencialmente conseguido um melhor resultado. Contudo, apesar de insuficiente, é preciso salientar que a FN conseguiu o seu melhor resultado de sempre em eleições presidenciais. Ademais, os jovens votaram em massa na Frente Nacional. Isto dá a sensação de que estamos perante um fenómeno em permanente ascensão. Mas tal pode não ser o caso. As mudanças demográficas em França produzidas pela globalização irão cada vez mais retirar (em percentagem) potenciais eleitores a partidos de representação identitária como a FN, que motiva essencialmente os europeus nativos. Como tal, o discurso de que o tempo está a correr favoravelmente para a FN não é necessariamente verdade. Tal irá depender do futuro reposicionamento da FN em relação à União Europeia e também da sua capacidade de penetrar nas classes médias e médias altas. Para tal, é possível que a estratégia populista não seja receita de futuro.

Manifestação a favor de Marine Le Pen, Dresden, maio de 2017. Photo by de.havilland144CC BY-NC 2.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Filipe Faria

Research associate at CEI-IUL. PhD in Politics (King’s College London). Research interests: Social and Political Philosophy, Political Economy, Biopolitics.

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