Palmira, outra vez? O que motiva o Daesh, apesar das perdas

O Daesh, para surpresa de muitos, avançou de novo sobre Palmira no passado dia 10 de Dezembro. Será possível que o Daesh, de quem se afirma que já perdeu, nos últimos dois anos, mais de 50.000 combatentes, ainda consiga reconquistar importantes cidades e regiões? Provavelmente não, mas quer-nos fazer acreditar que sim. É que para entender a estratégia definida e a finalidade da ação estratégica não basta uma leitura de simples ‘wishful thinking’.

Vale a pena relembrar a conquista e reconquista de Ramadi entre 2014 e 2016. Ramadi ocorreu quando ocorria Fallujah. Tal como a primeira tentativa de conquista de Mossul pelo Exército Iraquiano, em Março de 2016, teve de parar porque o Daesh preparou outras ofensivas simultâneas. Tanto Ramadi como Mossul e Raqqa (atualmente) estão a ser, ou já foram, conquistadas, mas a ação lançada obrigou, como era a intenção, a dispersar atenções, forças e efetivos, durante um largo período de tempo. Temos, em termos de análise estratégica, um padrão de ação. Temos também uma dimensão política que pouco tem a ver com a prática estratégica. Temos, em suma, uma doutrina e uma determinação operacional que, para lá dos ‘wishful thinking’ e mensagens políticas de aparente vitória, nos devem preocupar sobre o futuro desta região Iraque-Síria mas, em geral, de todo o mundo.

Right now we’re losing

Como afirmou Michael Flynn, que foi nomeado como o futuro National Security Advisor do Presidente-eleito Donald Trump: “Let’s face it: right now we’re losing, and I’m talking about a very big war, not just Syria, Iraq and Afghanistan” (Flynn, Michael T., 2016, The Field of Fight: How we can win the Global War against Radical Islam and its Allies, St. Martin´s Press, New York, p. 8). Estas manifestações de ação estratégica têm de ser vistas na prática política global e não apenas nos seus efeitos regionais. Palmira, outra vez, não é uma surpresa, é uma escolha estratégica, deliberada do Daesh dentro de uma política global, ampla e resiliente. Provavelmente, em termos práticos, Palmira nada significará para lá de um pequeno avanço e recuo mas, em termos psicológicos, poderá refletir-se na obtenção de mais adeptos e recrutas e, tal facto, deve-nos preocupar significativamente.

O Daesh defende o que ainda possui e ataca onde pode

Atacar, em vez de apenas defender, é uma estratégia e uma prova de resiliência. O Daesh, ou os seus afiliados, ou simplesmente jiadistas radicais que pretendem os mesmos objetivos, aproveitam para atacar e criar os efeitos globais pretendidos. A estratégia não passa pelo momento operacional atual, lê-se pela determinação em atingir um estado-final ou “end-state” e esse está longe, muito longe, de estar derrotado pelas frases de tipo “wishful thinking” de que o Daesh “será destruído”. E se for, o que parece provável, isso será o garante da estabilidade e da vitória perene (como desejam muitas das nações que formam a coligação)?

O Daesh, ou os seus proxys, perdem bairros em Mossul mas atacam em Bagdad, atacam na Turquia e na Somália, preparam ações nos EUA, na Europa, no Paquistão e garantem um ritmo intenso de ações ofensivas na Síria e no Iraque.

Palmira, outra vez?

Sim, porque provoca impacto psicológico, porque demonstra a fragilidade das coligações internacionais, porque gera discussão entre aliados, muitas vezes com interesses muito diferentes, porque permite lançar a confusão entre o que faz e o que se devia fazer nos avanços em Aleppo, em Mossul, em Raqqa e junto à fronteira com a Turquia, com ou sem as milícias xiitas e curdas, com ou sem o apoio dos aliados regionais.

O Daesh, o Jabhat Fateh al-Sham (al-Nusra), a al-Qaeda, os inúmeros proxys, os que atuam em toda a região, ou os que atuam em África – como o Boko-Haram ou o Al-Shabab – ou nos EUA, na Europa, no Afeganistão ou nas Filipinas, sabem que a estratégia é uma “arte e ciência” que serve a política “por outros meios”. Que não visa resultados imediatos, mas efeitos longínquos que consubstanciem uma específica determinação política. E esta última – a determinação política – como temos vindo a afirmar, não pertence nem está nas mãos do Daesh. Esta ação, agora efetuada pelo Daesh, é uma manifestação operacional da política que visa a transformação desta grande região numa área fértil para o crescimento de um projeto radical e totalitarista. Palmira, outra vez? Infelizmente, poderá haver mais Palmiras nos meses e anos que se seguem.

Remains of the temple of Bel (I-II century AD), in Palmyra, after being destroyed by Daesh in 2015. Photo by Jawad Shaar / CC BY 4.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Nuno Lemos Pires

Researcher at CEI-IUL. Professor at the Portuguese Military Academy (PMA). Ph.D. in History, Defence, and IR (ISCTE-IUL and PMA); M.A. in Military Sciences (PMA). Guest lecturer at ISCTE-IUL, U. Nova, IESM, IDN. Professor of Military History and IR at IAEM and AM; Intelligence Officer at NATO / Rapid Deployable Corps (Spain).

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