Qual o problema de Bolsonaro com a Educação?

Nenhum fenómeno político desenquadrado com a Democracia emerge por si só, é preciso que haja uma degradação da confiança generalizada na classe política que produza um sentimento de conforto, expetativa e aspiração em torno de discursos messiânicos, reversivos e moralizadores. Com diz a música, “o fascismo é fascinante, deixa a gente ignorante e fascinada”. Por isso, a eleição de Bolsonaro não é independente de uma onda global, que inclui contrainformação, desinformação e manipulação dos factos, que visa restaurar uma ordem primordial, um tempo quase bíblico. Esta nostalgia dos tempos autênticos, de uma moral particular e de um modelo específico de identidade nacional, não é novo, nem exclusivo. É assim na América que elegeu Trump, é assim na Espanha que votou no Vox, é assim na França que votou na antiga Frente Nacional de Le Pen, na Hungria que elegeu Órban, etc.

No caso brasileiro, a questão da moral está alavancada num conjunto de agendas justapostas, não necessariamente interessadas numa conciliação, mas certamente disponíveis para coabitação até oportunidade contrária. Uma dessas agendas é a da privatização absoluta dos recursos do Estado, uma entrega submissa dos elementos de riqueza e subsistência do país a interesses privados, nomeadamente norte-americanos. Trata-se da agenda ultraliberal de Paulo Guedes. Outra das agendas particulares, ao caso pessoalíssima, é a de Sérgio Moro, atual Ministro da Justiça, mas com expetativa de tomada do cargo presidencial. Por fim temos a coincidência entre a agenda Evangélica e a da elite histórica brasileira, dividida entre classe alta e classe média. Tratam-se de agendas que coincidem em matérias como racismo e homofobia, a que acresce o desprezo de classe face aos mais pobres, uma perceção parcelar de cultura, onde apenas cabe um modelo idealizado norte-americano republicano, com destaque para a supremacia branca pseudo-moderada de Donald Trump e seus apoiantes, e onde a ciência é desdenhada, em particular as ciências sociais como a Filosofia e a Sociologia, associadas ao desenvolvimento de um capital crítico nos seus formandos.

Ora, é precisamente no contexto do desprezo pelo pensamento crítico, que estaria em oposição a um modelo social-empresarial onde o cidadão é um fator de produção, que se expressa o ataque sem precedentes à universidade pública, com brutais cortes orçamentais e consequente encerramento de vários campus e faculdades. Na marcha em defesa do governo, vários apoiantes expressaram o seu desprezo pela universidade, ampliando a visão distorcida de que a Pátria amada é feita da mão pesada da ditadura, dos bons costumes, i.e., do fosso social e do status quo da Casa Grande e da Senzala, e da ignorância como uma bênção dada ao povo.

No fundo, a classe média e a classe alta brasileiras, a designada, na sua própria visão, de «elite», desprezam a universidade pública não porque, realmente, a vejam como um antro de depravação, mas antes porque graças aos inúmeros incentivos dos governos anteriores, o princípio do mérito e da equidade de oportunidades passou a imperar. Em consequência disso, os seus filhos foram ultrapassados por jovens oriundos das favelas, por gays e negros, esses «esquerdopatas» que “roubaram a cena” aos meninos priveligados.

Por seu lado, Bolsonaro e aqueles que movem os seus fios de marionete, desprezam a universidade, primeiro porque pertencem a uma elite étnica historicamente priveligada, mas muitos sem arcaboiço para terem frequentado instituições de ensino públicas de referência, segundo porque a salvaguarda da sua própria ignorância e da sua falência conceptual reside na ignorância do povo. Ora, o ódio à academia, ao saber, ao pensamento, aproxima perigosamente o governo de Bolsonaro dos atos simbólicos da Alemanha nazi, como o Bücherverbrennung, a famosa purga pública de livros que podiam levar à independência intelectual do povo alemão.

Assim, neste Brasil de elites que não gostam de partilhar o aeroporto com domésticas, que não gostam de ver negros nas faculdades e nas empresas, a ignorância é simultaneamente um capital próprio inconsciente e um desejo alheio. Pois que como afirmou Johann Goethe, nada é mais assustador que a ignorância em ação.

As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.

Universidade Federal do Rio de Janeiro / Foto de Omar Uran / CC BY 2.0

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João Ferreira Dias

Researcher at CEI-IUL. PhD in African Studies (ISCTE-IUL) about politics of memory, and cultural loss in the terreiros de Candomblé. Research interests: religious memory, nostalgic sentiments and cultural loss, the orthopraxy and thought patterns in jeje-nagô Candomblé, and the Yorùbá construction and religious and ethnic identity.

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