Um Nobel da Paz que Sabe a Pouco

Foi distinguido com o Nobel da Paz o Presidente Juan Manuel Santos, premiando o processo de paz desenvolvido na Colômbia e que resultou no final de mais de cinco décadas de conflito. No anúncio da atribuição desta distinção ficou bem claro que era essa a razão da escolha.

O Comité Nobel recusou pronunciar-se sobre a ausência de prémio para uma das partes em conflito.

O referendo de dia 2 de outubro, marcado por uma abstenção acima dos 60%, em que se votava o sim ou não a este acordo específico de paz, ditou a vitória do não.

Isto significa que a minoria dos colombianos que votou, não sancionou um acordo que levou quatro anos a negociar. Esta negociação foi acolhida por Cuba, teve a Noruega como país facilitador, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, a Venezuela e o Chile como observadores.

No press release do Comité Nobel é reforçada a importância do esforço do Presidente Santos e a sua permanente tentativa de englobar nas negociações as vítimas da guerra civil. Também é aludido e relativizado o resultado do referendo. De facto, o Presidente da Colômbia teve um papel decisivo nestas negociações, para cuja preparação não abdicou de uma série de vitórias militares sobre as FARC, que propiciaram o desfecho que se veio a verificar.

Contudo, ao contrário do que vem a acontecer em casos idênticos (lembre-se o caso da Palestina ou do fim do Apartheid), a Academia Nobel não incluiu neste prémio o líder de uma das forças em conflito – Rodrigo Londoño, conhecido como Timonchenko. Ou seja, a Academia, sediada no país facilitador do processo, excluiu uma das partes em conflito e uma das partes essenciais para a paz. Ingrid Betancourt, que esteve seis anos em cativeiro das FARC, assumiu publicamente que o prémio deveria ter sido também dado ao líder das FARC.

Um prémio para o povo colombiano?

Juan Manuel Santos reagiu congratulando-se por este ser um prémio para o povo colombiano e dedicou-o às vítimas do conflito. Rodrigo Londoño no seu twitter referiu que o melhor prémio seria a paz.

Ontem foi anunciado que, no final deste mês, terminaria o cessar-fogo entre o governo e as FARC, enquanto se iniciavam negociações com os partidários de Uribe que teriam votado maioritariamente não. Fica por saber se, entre as FARC, o acordo de paz será pacífico. É difícil de crer que assim seja e que, ao fim de 50 anos de guerra, todos os guerrilheiros em uníssono – sobretudo depois do movimento ter sido internacionalmente ostracizado e declarado terrorista pelos E.U.A. e pela União Europeia – aceitem, sem resistência, o regresso à vida integrada na sociedade colombiana. Aspetos como o narcotráfico e a redistribuição de terras continuam a ser o cerne da questão.

Juan Manuel Santos e a Noruega deram passos arriscados no sentido de pressionar os elementos contrários ao acordo de paz, mas terão eles a noção do consenso (ou falta deste) no seio das FARC? Não temerão que ao retirar às FARC o reconhecimento do seu esforço as estejam de novo a ostracizar, permitindo a desacreditação das lideranças atuais e a proliferação de pequenos líderes, ancorados em atividades subversivas ou criminosas? Não temerão que, de novo, os paramilitares peguem em armas e, em nome do povo e do resultado do referendo, dizimem os líderes políticos das FARC?

É que se os grupos militares e militarizados da sociedade colombiana são contra o acordo, é muito provável que o braço militar das FARC também o seja e, à falta de um exército regular, pode sempre voltar-se para a violência direta contra populações ou indivíduos desarmados.

Não há dúvida que tudo isto deve ter sido ponderado por quem atribuiu e por quem recebeu o prémio. Resta saber até que ponto os anos das FARC na selva não tornaram estas forças num beligerante mal conhecido.

Colombian Army personnel, Photo by Mrnico1092 / CC BY-SA 3.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Cátia Miriam Costa

Researcher at CEI-IUL. PhD in Literature (Univ. Évora). Master in African Studies (ISCSP-UTL). Undergraduate studies in International Relations (ISCSP-UTL). Research interests: intercultural relations, colonial and post-colonial studies, international communicaion, discourse analysis. Work experience: Think tanks and Economic and scientific diplomacy.

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