Palmira Libertada. Será Desta?

Em Dezembro do ano passado, alertei sobre a reconquista de Palmira por parte do Daesh. No dia 2 de Março de 2017, quase um ano depois de o terem feito pela primeira vez, as forças governamentais sírias, apoiadas pela Rússia, anunciaram a reconquista da cidade património mundial. Será desta?

A destruição de património da UNESCO como arma de guerra

Entretanto, mais património histórico foi destruído, barbaramente danificado e com a agravante de que foram deixadas para trás, por parte das forças do Daesh, várias zonas armadilhadas que podem provocar mais morte e destruição. Embora pareça evidente que o Daesh será derrotado tanto na Síria como no Iraque, o que podemos esperar da força destes movimentos jihadistas radicais para o futuro?

O Daesh é um grupo determinante nesta dinâmica, mas há muitos mais grupos jihadistas e, muitas outras ações destes grupos em vastas áreas do globo, para ver e analisar, para lá das fronteiras da Síria e do Iraque. Só com uma visão global poderemos analisar a dimensão da ameaça abrangente e, muitas das pequenas ações que ocorreram nos últimos meses têm demonstrado essa ação geral. Por exemplo, sabemos que o ataque em Berlim recebeu instruções da Líbia, que o autor do ataque estava organizado em rede na Alemanha (grupo Abu Walaa) e que, por sua vez, esta rede de objetivos internacionais, com fortes ligações ao Daesh no Iraque e na Síria, punha em causa a segurança europeia.

O Afeganistão/Paquistão como região central das organizações terroristas

No Afeganistão/Paquistão, a situação está longe de estar controlada (onde 20 das 98 organizações terroristas apontadas pelos EUA têm a sua principal atividade), onde é visível a coordenação entre as várias regiões do mundo, com o Daesh em crescimento assinalável. Podemos ler pelas palavras do General John Nicholson, o comandante das forças coligadas na região que, através das suas redes afiliadas (como o Islamic State in the Khorosan Province), há um aumento de ataques, com mais recrutas e novos sistemas de armamentos (como, por exemplo, recorrendo ao uso de drones não tripulados), tanto pelo Daesh como pelos Talibãs e os grupos afiliados à al-Qaeda.  Na Síria, a derrota de alguns dos grupos rebeldes deu a origem a novos grupos, como o Tahir al-Sham. No Sahel, há novos atores a juntarem causas regionais às perseguidas pelos radicais, como os nómadas Fulani, cuja ação abarca toda uma região que vai desde o Sudão até ao Senegal, passando pelo Chade, pelo Níger, Nigéria, RCA, Mali e Burkina Faso.

Hoje, é do conhecimento global que estas ameaças, dispersas, organizadas em dois grandes movimentos, que se combatem, ideologicamente, entre si (ver a entrevista do denominado porta voz da al-Qaeda, Adam Gadahn), a al-Qaeda e o Daesh, com os mais ou menos afiliados, com maior ou menos coordenação, ou simples afiliação ideológica, têm demonstrado possuir muito maiores capacidades do que se previa. A reconquista de Palmira pelo Daesh, no final do ano passado, foi um exemplo de resiliência e capacidade operacional evidente, mas há outras áreas que estamos agora a descobrir. Por exemplo, a fortíssima rede de informações usada pelo Daesh, a Emni, criada a partir das redes de intelligence de Saddam Hussein e que conseguem, além de informações precisas e atualizadas para as ações operacionais propriamente ditas, infiltrarem-se em todas as organizações sociais onde atuam e fazerem uma pressão permanente sobre as pessoas, quer através da construção de bases de dados que relatam o que cada habitante faz e com quem se ligam, até a um escrutínio muito detalhado sobre futuros recrutas. Além disso, está comprovada a sua ação coordenada com agentes em variadíssimas organizações, em diferentes países (como a Síria, o Iraque ou a Turquia) e a execução das tarefas mais “sujas” como sejam o tráfico de escravos, a venda de petróleo, de trigo e de antiguidades (como as que foram roubadas em Palmira), os raptos e os pedidos de resgates.

A implementação da lei da Xaria como objectivo final

Os exemplos seriam muitos, mas vamos nos concentrar sobre os objetivos finais destes grupos que, com algumas variações recentes, continuam a ser perseguidas de forma constante. As variações são de âmbito operacional, como podemos observar sobre as recentes afirmações do líder da al-Qaeda, al-Zawahiri, porque a finalidade política é ainda a mesma, impor um sistema político baseado numa interpretação estrita da Xaria, primeiro nos países muçulmanos (fase onde ainda nos encontramos), depois criar uma entidade que una os vários países numa comunidade de crentes alargada (a Umma) e apenas depois, tentar levar este sistema ao mundo inteiro (ver a excelente obra de: OWEN, John M. (2016), O Islão Político: Ontem e Hoje, Bertrand Editora, Lisboa, Portugal.).

Palmira foi libertada. Ainda bem. Poderá ser que, desta vez, fique fora das mãos jihadistas mas, como podemos ler, embora estas ações de libertação e conquista, sobre o Daesh no Iraque e na Síria, sejam importantíssimas, não podemos esquecer a dimensão alargada dos problemas, a dispersão da ameaça e a construções de novas ameaças em regiões muito diferentes do globo.

Apolo Theatre, Palmira (Syria). Photo by Gustavo Jerónimo / CC BY 2.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Nuno Lemos Pires

Researcher at CEI-IUL. Professor at the Portuguese Military Academy (PMA). Ph.D. in History, Defence, and IR (ISCTE-IUL and PMA); M.A. in Military Sciences (PMA). Guest lecturer at ISCTE-IUL, U. Nova, IESM, IDN. Professor of Military History and IR at IAEM and AM; Intelligence Officer at NATO / Rapid Deployable Corps (Spain).

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